O BRASIL SEM POLÍTICA CLIMÁTICA
Mesmo sendo um dos três países em desenvolvimento que mais emitem gases causadores de mudanças no clima da Terra, o Brasil não desenvolveu – nem dá mostras de que o fará - uma política nacional para superar as suas “vulnerabilidades”, ou seja, as suas fragilidades no enfrentamento do problema.
E por que não?
Afinal, segundo a Convenção do Clima, da ONU, em 1994 (último ano pesquisado), o País emitiu quase 1,47 bilhões de toneladas de gases causadores do Efeito Estufa. A China, campeã dos poluidores entre os países menos desenvolvidos (aqueles que, pela Convenção, não têm obrigação de reduzir emissões), no mesmo ano emitiu 3,65 bilhões de toneladas. A Índia, também no grupo das duas primeiras, emitiu 1,23 bilhões de toneladas. Os EUA teriam obrigação de reduzir emissões porque estão no primeiro time da sujeira – o dos países ricos. Sozinhos, poluíram a atmosfera com 6,3 bilhões de toneladas, segundo números de 2004.
A omissão do Brasil é particularmente grave. O País gera enorme injustiça social contra o seu enorme contingente de pobres – aqueles que serão os mais vulneráveis caso se repitam aqui tragédias como o furacão Katrina, que devastou Nova Orleães.
Ou seja, ao se omitir, o País ajuda muito a condenar boa parte de sua própria população. E, por favor, não me digam que Katrinas não acontecem no Brasil. Santa Catarina também não tinha registros de furacões. Passou a tê-los a partir de 2004.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que um quadrilátero formado pelo leste do Piauí, o sul do Ceará, o norte da Bahia e o oeste de Pernambuco é a região brasileira que dispõe de menos recursos para ajudar a população local em caso de desastres naturais. Aí estão algumas das cidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil. De acordo com o Inpe, elas podem enfrentar secas de 10 ou mais anos seguidos.
Lá, o Brasil real está muito pouco preparado para atender a situações de emergência. O Estado brasileiro teria condições de, no máximo, distribuir cestas básicas aos eventuais atingidos. Mas, para enfrentar tamanha dificuldades, é necessária uma ampla infra-estrutura de defesa civil - um verdadeiro luxo, se lembrarmos que a distribuição de cestas básicas é o máximo que o governo consegue fazer em termos de política pública para atingidos por desastres (naturais ou não).
O governo sabe da probabilidade desses desastres climáticos e das fragilidades para enfrentá-los. Mas, faz ouvidos de mercador e sequer esboça um debate nacional a respeito das mudanças climáticas. O máximo que faz é realizar seminários que terminam em conclusões gravíssimas e decidem pela realização de novos seminários que também concluem pela mesma gravidade da situação.
José Antônio Marengo, cientista do Inpe, foi além dos seminários. Ele entregou em 26 de fevereiro ao Ministério do Meio Ambiente um estudo sobre cenários possíveis em 2100 – utilizando um arsenal técnico semelhante aos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (o IPCC, da ONU). Em 2005, Marengo já havia despachado para o Núcleo de Ações Estratégicas da Presidência da República estudo semelhante.
Enquanto faz cara de paisagem para o problema, o Brasil vai se metendo numa saia que fica cada vez mais justa. Principalmente após a divulgação na sexta (4) de outro capítulo do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, em Bangcoc, na Tailândia.
O IPCC confirmou o que cientistas e ambientalistas brasileiros apontam há muito tempo: a ampla maioria das nossas emissões provêem da queima da floresta amazônica. Mas, como é para lá que avança o grande negócio agrícola, que garante o superávit primário que o Banco Central enxerga como cláusula pétrea da economia financeirizada, praticamente nada se tem feito para reverter essa desgraça. (Aliás, é para lá também que aponta a indústria do etanol, a mais recente panacéia brasileira.)
No sentido contrário, o IPCC afirma que manter a cobertura vegetal original e impedir o desmatamento são estratégias prioritárias para “alcançar a estabilização climática”.
O governo reconhece sua responsabilidade nas emissões, mas sempre lembra que as alterações na atmosfera atualmente são resultado de emissões feitas pelos países enriquecidos, principalmente os EUA e a Inglaterra, desde a Revolução Industrial.
Esse é um argumento que, no extremo, pode levar ao imobilismo, dizem entidades sérias como o Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), sediado em Belém (PA). Misto de organização não governamental e centro de pesquisas científicas, o Ipam atribui a pouca importância que governantes dão para o tema ao fato de as conseqüências das alterações climáticas só se manifestarem em centenas de anos, enquanto os políticos estão mais interessados em tomar atitudes que gerem impactos no período de seus mandatos.
Ou seja, por enquanto, mitigar problema climático ainda não dá voto e isso explica porque o PAC sequer mencionou a questão ambiental – a não ser para anunciar uma medida administrativa para acelerar a concessão de licenças.
Em sua defesa, o governo não cansa de repetir que ajudou a elaborar as premissas do Protocolo de Kioto. A primeira delas é a noção de contribuições históricas dos países desenvolvidos para as emissões de gases do Efeito Estufa, o que nos tiraria a obrigação de reduzir nossas emissões no presente. Se acontecer um furacão agora, argumenta o governo brasileiro, o Brasil terá pouca responsabilidade sobre ele, uma vez que só contribuiu com 2% das emissões históricas totais no planeta. Começamos a produzi-las a partir da nossa industrialização tardia, há cerca de 50 anos, dois séculos depois que os países ricos começaram a despejar na atmosfera seus gases poluentes.
O governo também lembra que, mesmo sem ter a responsabilidade de reduzir emissões, registra 206 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no Brasil, que representam 10% dos projetos de MDL em todo o mundo. Tais projetos evitam o despejo de mais poluentes no ar.
O mantra das desculpas oficiais justifica a inação criando uma falsa oposição entre setores complementares. Diz que não pode investir na superação das vulnerabilidades porque precisa dos recursos para saúde, educação, saneamento... Garante o governo que as queimadas já teriam diminuído 50% desde 2005.
Em verdade, o governo só foi responsável por parte dessa melhora, ao criar em 2004 e 2005 240,000 km2 de novas áreas protegidas na Amazônia. A taxa de crescimento do desmatamento, entretanto, reduziu-se porque neste período caíram as cotações internacionais das mercadorias agrícolas, principalmente da soja, cujo plantio em áreas de florestas derruba e queima de árvores.
Neste cenário rebaixado, seria demais esperar que o governo imaginasse soluções criativas – como, por exemplo, colocar sua máquina de financiamento para induzir mudanças na matriz energética ou criar instrumentos creditícios que desestimulem a degradação de áreas florestadas. Ao contrário, orienta toda sua atuação no sentido do crescimento econômico predador.
É o caso da atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes). A empresa, maior financiador de longo prazo no Brasil para o setor industrial, aportará quase cinco bilhões de dólares para empresas nacionais e estrangeiras construírem, até 2013, 77 usinas de álcool.
Mas, a aparente pujança econômica no fundo significa prenúncio de nova rodada de devastação amazônica, devido à destinação das melhores terras agricultáveis para a cana no sudeste e centro-oeste. Com terras mais caras em suas regiões tradicionais, a soja, o gado e outras mercadorias agrícolas buscariam novas fronteiras na borda da floresta.
O clima, enquanto isso, segue à espera de alguma sensibilidade oficial.
(Também publicado em www.noblat.com.br - http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=57487 )
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home