A ALIANÇA BRASIL-EUA
Ao chegar ao Brasil no final da tarde desta sexta-feira (8), para um giro por cinco países a América Latina, o presidente dos EUA, George Bush, traz na bagagem muito mais do que a mera proposta de acordo comercial com o Brasil para o fornecimento de etanol ao mercado estadunidense.
A visita de Bush ao Brasil, e a do presidente brasileiro Lula a Camp David em 31 de março, podem não se restringir ao comércio. Elas têm todas as condições para evoluir a discussões sobre uma aliança de longo prazo entre os dois países, em torno da substituição do consumo de gasolina pelo de álcool, em nível mundial.
Essa não é uma tarefa fácil, mas promissora para quem a liderar – e os dois países já são responsáveis por 72% do etanol produzido no planeta. O mercado internacional de etanol ainda está na casa de 50 bilhões de litros anuais. Mas, se o álcool substituir a gasolina como combustível internacional, em um contexto de diminuição de gases causadores das mudanças no clima, estaremos falando da substituição de 1,2 trilhão de litros de gasolina consumidos anualmente no mundo.
Nesta viagem à América Latina, que se estende até o dia 14 e inclui Uruguai, Colômbia, México e Guatemala, Bush tem objetivos imediatos. Como já indicou em seu discurso anual o Estado da Nação, proferido em fins de janeiro, ele pretende, em 10 anos, substituir 20% da gasolina consumida nos EUA por etanol, para diminuir a quantidade de gases causadores de mudanças no clima e as críticas por ser o maior vilão climático da Terra.
Nesses cinco países, e em outros das Américas do Sul e Central, do Caribe, da África e da Ásia, Washington pretende criar um cinturão de fornecedores de combustível agrícola. O Brasil seria o gerente do enorme mercado global do etanol, aportando a experiência que acumulou desde 1975 no seu programa Pró-Álcool.
O país exportaria seu conhecimento de logística de produção e distribuição do combustível, melhoramento genético da cana de açúcar, de onde extrai o álcool, e de fixação de critérios de qualidade que permitam a esse combustível ser considerado uma commodity negociável internacionalmente.
De imediato, o Brasil também espera incrementar suas vendas para os EUA, que em 2006 alcançaram 1,5 bilhão de litros, através de vários países da América Central e do Caribe. Eles possuem tratados de livre comércio com Washington e reexportam, sem taxas, o álcool brasileiro, em manobra para fugir das altas taxas que os EUA cobram do etanol brasileiro e dos subsídios ao etanol estadunidense. A sobretaxa alcança 0,54 dólares por galão (3,785 litros). Essa taxas extras e os subsídios ao milho (matéria prima do etanol produzido nos EUA) foram recentemente renovados pelo Congresso dos EUA até 2009.
Em paralelo, a renovação “verde” dos combustíveis nos EUA ajudaria Bush a reduzir a importação de petróleo venezuelano, que responde por cerca de 11% do consumo interno dos EUA, e talvez diminuísse a desenvoltura com que Hugo Chávez propõe a integração latinoamericana como forma de criar um espaço econômico para resistir ao hegemonismo dos EUA. Porém, tanto a influência do presidente da Venezuela quanto eventuais negociações com o Brasil são apenas aspectos conjunturais da aproximação Brasil-EUA. Há outras possibilidades para Bush, que vem colecionando derrotas políticas, e para Lula, que sonha liderar países em desenvolvimento.
A escala e a qualidade dos eventuais acordos em torno do etanol indicam que pode estar em curso entre os maiores países da América do Sul e do Norte discussões sobre uma aliança estratégica de longo prazo, baseada na produção e no consumo em escala planetária de uma nova fonte energética. Esta judaria os EUA a superar sua dependência extrema do petróleo, substituindo-o por outra fonte de energia farta e barata e que não se transformassem em instrumento de contestação à hegemonia de Washington – como fazem Chávez e Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã.
Mais: o desenvolvimento dessa nova fonte de energia atenderia a outro objetivo dos EUA. Eles até admitem substituir uma fonte energética instável politicamente por outra mais confiável, mas sempre mantendo os altos índices de consumo. Afinal, é na intensidade do uso de recursos – naturais, financeiros e energéticos – que se baseia a estrutura produtiva dos EUA.
E é para aí que convergem os objetivos do Brasil. O governo Lula, através do Ministério das Relações Externas (MRE) do Brasil, avalia que em seus 507 anos o país sempre ocupou uma posição periférica no sistema internacional e que o máximo que pode almejar, hoje, é situar-se em uma posição de liderança entre os periféricos.
Ou seja: Brasil e EUA vêem complementariedades entre suas economias energéticas e suas trajetórias históricas. O primeiro assumiria a condição de provedor privilegiado de commodities agrícolas (no caso, o agro-combustível) de baixo valor agregado localmente, mas que exige algum conhecimento científico e tecnológico. O segundo manteria seu papel tradicional de devorador de recursos, ao mesmo tempo em que renovaria essa condição, mas investindo numa economia baseada no uso menos intensivo do carbono. Isso o tornaria mais digerível por uma opinião pública mundial que exige a resolução dos problemas climáticos gerados pelas emissões de gases – área em que os EUA são responsáveis por quase 20% da produção mundial.
Alguns movimentos recentes indicam que os instrumentos para confirmar complementariedade já foram acionados.
O governo do Brasil tem colocado crédito barato à disposição de empresas interessadas em construir usinas de agro-combustíveis. O seu Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (o Bndes, banco estatal que possui orçamento de 30 bilhões de dólares, maior até do que o do Banco Mundial), financiou quase um bilhão de dólares em 2006 e pode aumentar em 25% esse valor em 2007. Durante os próximos seis anos, o Brasil deve inaugurar uma usina de álcool e açúcar por mês, passando das atuais 336 para 409 até 2013,
Ao mesmo tempo, os EUA se movimentam para manter a hegemonia global. Washington manobra para que o Banco Mundial se ajuste a esse objetivo – e a nomeação de Paul Wolfowitz, ex-Secretário de Defesa dos EUA para a presidência do Banco atendeu à essa estratégia. A entidade identificou na promoção das energias “alternativas” e na intermediação dos créditos de carbono provenientes do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto uma fórmula para financiar e controlar o desenvolvimento de novas fontes de energia que substituam o petróleo.
O Banco agora pensa em ser o grande agente da nova economia de baixa intensidade em carbono e quer se tornar o maior broker de créditos de carbono do planeta. Também grupos privados vão se movimentando para tornar a opção pelo etanol um fato consumado. É o caso do Conselho Hemisférico dos Biocombustíveis, um megalobby sediado na Flórida que atraiu várias pessoas da intimidade dos governos Lula e Bush.
Estão no Conselho, que visa a estimular a adoção dos combustíveis agrícolas, Luis Alberto Moreno, anglo-colombiano que foi eleito em 2006 presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento por pressão dos EUA; Roberto Rodrigues, ex-Ministro da Agricultura do primeiro mandato de Lula e figura proeminente na estratégia da Monsanto de introdução de commodities agrícolas transgênicas no Brasil; Donna Hrinak, ex-embaixadora dos EUA em Brasília, Jeb Bush, irmão do presidente estadunidense e ex-governador da Flórida; e Junichiro Koizumi, ex-primeiro Ministro do Japão.
Pelo quilate dos apoiadores da disseminação do etanol, é possível imaginar o grau de envolvimento que eles têm com os governos de seus países.
1 Comments:
Carlos,
Tomei a liberdade de fazer uma referência a seu post no meu blog. Está em:
http://blogdoalon.blogspot.com/
2007/03/
que-antiamericanismo.html
Um abraço,
Alon
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