sexta-feira, junho 08, 2007

DESENVOLVIMENTO PARA QUÊ?

Carlos Tautz

(Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=60924 )

Celso Furtado, lá em meados da década de 1970, já nos advertia (em “A profecia de colapso” e “O mito do desenvolvimento econômico”) algo que cabe recordar neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente: o crescimento econômico não é uma necessidade inexorável, muito menos se observarmos os limites físicos do planeta.

Há 30 anos, nosso melhor economista e um dos mais brilhantes pensadores da nacionalidade brasileira já escrevia:

A literatura sobre desenvolvimento econômico do último quarto de século nos dá um exemplo meridiano desse papel diretor dos mitos nas ciências sociais: pelo menos 90% do que aí encontramos se funda na idéia, que se dá por evidente, segundo a qual desenvolvimento econômico tal qual vem sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial, pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que os padrões de consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, são acessíveis ás grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado Terceiro Mundo. Essa idéia constitui, seguramente, uma prolongação do mito de progresso, elemento essencial da ideologia diretora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial”.

Lembro de Furtado nestes tempos em que a imprensa relata (com boa dose de invencionice) um suposto antagonismo entre “desenvolvimentistas” e “ecologistas” no governo, pontificados pelas ministras da Casa Civil, Dilma Roussef, e Marina Silva, do Meio Ambiente. A primeira automaticamente defende o mito contra o qual reclama o falecido economista. A segunda até discorda do mito, mas acaba cedendo ao fácil apelo político de que, através do “crescimento” (entendido como sinônimo de “desenvolvimento”), enfim chegaremos “lá”.

O problema é que no “lá” da nossa vida real estão todas as consequências sociais e ambientais que decorrem da escolha pelo poder público de objetivos estratégicos - o tal do “desenvolvimento”. A escolha entre um “lá” supedimensionado ou um “aqui” adequado às necessidades históricas da maioria da sociedade brasileira significa a continuidade ou não de um grupo no poder.

Como de praxe, Dilma e Marina começam discordando e mais à frente fecham um acordo, sempre com Marina revendo sua posição inicial. Nesse roteiro de falso antagonismo tem entrado de tudo: da liberação de mercadorias agrícolas transgênicas à construção das superhidrelétricas no rio Madeira (RO), passando pela transposição do rio São Francisco, com as ministras garantindo que desenvolvimento e meio ambiente não se contradizem. Na prática, vão reafirmando o mito criticado por Furtado, o da necessidade contínua de crescimento econômico permanente.

Mas, quem serve esse desenvolvimento? Qual o seu custo? Enfim, desenvolvimento para quê? Para quem?, não se cansava de perguntar Furtado.

As mesmas questões ainda permanecem na mais recente panacéia governamental, o PAC. É o caso de perguntar: a quem beneficia um modelo exportador, como esse expresso no PAC? À maioria da população, que há séculos continua necessitando de casa, comida e saneamento básico – itens em que nossa população pobre, negra e habitante nas franjas do “desenvolvimento” divide os índices de qualidade com países em tragédia nacional, como o Haiti?

Ou será que as estratégias de crescimento econômico, tremendamente concentradoras de renda, nas quais se enquadram as hidrelétricas em Rondônia, ratificam um papel de exportador de mercadorias e de capitais para o centro do sistema mundial, como, por exemplo, desde o final da década de 1960 insiste outro economista brasileiro, Ruy Mauro Marini?

A mesma questão – a quem ela serve? - se coloca para a transposição do São Francisco. Por que gastar bilhões de reais e despertar a sede de empreiteiras como essa Gautama se o próprio Estado brasileiro aponta que há água em quantidade e distribuição quase suficientes em todo o Nordeste brasileiro?

É o que se verifica nos mapas de Hidrogeologia e Hidroquímica da Paraíba e Rio Grande do Norte, lançados em 1 de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“As cartas são de grande importância para a gestão pública e o futuro econômico desses estados porque buscam retratar as possibilidades de exploração dos recursos hídricos subterrâneos, indicando áreas mais e menos favoráveis à captação de água no subsolo, em termos de volume e qualidade química. Tais informações são fundamentais para a utilização racional de recursos hídricos numa região que enfrenta inúmeros problemas causados pela seca”, diz o IBGE, que promete lançar mapas dos demais estados nordestinos.

Enfim, para responder às questões de misticismo, é mais seguro retornar a Celso Furtado. Esse mito do desenvolvimento, escreveu, é “um dos pilares da doutrina que serve de cobertura à dominação dos povos dos países periféricos dentro da nova estrutura do sistema capitalista”.