BANCO DO SUL: É AGORA OU NUNCA
Quando se reuniram em assunção na terça (22) os presidentes de países do Mercosul tiveram diante deles a possibilidade de tomarem uma decisão histórica: a provável criação do Banco do Sul. Proposto inicialmente pela Argentina e pela Venezuela, o Banco do Sul deve ser, ao mesmo tempo, um banco de desenvolvimento e um fundo regional de reservas para proteger seus sócios de ataques especulativos. Além da importância econômica evidente, a iniciativa terá enorme impacto político, pois diminuirá sensivelmente o poder que os EUA exercem na América do Sul via FMI e Banco Mundial.
Entretanto, a dimensão econômica é apenas parte das possibilidades que seriam abertas pela criação de um organismo financeiro mantido e gerido pelos governos sul-americanos e fora da órbita do dólar. O Banco do Sul pode e deve assumir responsabilidades que vão muito além de apenas ser um alternativa à moeda estadunidense.
Numa época em que o planeta finalmente reconhece que a civilização do carbono coloca em risco a própria existência humana, um Banco que nasce sob o signo da maior mudança na arquitetura financeira global desde a criação das instituições de Bretton Woods, em julho de 1944, e da posterior adoção do padrão-dólar, no início da década de 1970, precisa ser utilizado para superar o impasse criado pelas mudanças no clima.
Pode, por exemplo, financiar o desenvolvimento de uma economia que puna a utilização de processos e produtos ricos em carbono, mas que desenvolva premiações para a manutenção em pé florestas inteiras (especialmente a amazônica) e desestímulo ao uso de fontes de energia e de processos intensivos em carbono.
Se essas duas orientações forem articuladas com o financiamento a atividades econômicas complementares entre os países da região, e voltadas para atender a demandas históricas nos campos da educação, saúde, habitação e outras da área social, este Banco marcará o momento de uma segunda independência dos países sul-americanos e apontará para um futuro de renda muito menos concentrada na região.
As dificuldades do parto
Apesar da missão nobre, o parto do Banco do Sul enfrenta dificuldades. A maior economia da região, a brasileira, está voltada para atender prioritariamente ao mercado internacional, o que a distancia de uma instituição orientada para o mercado interno regional. E, para dificultar ainda mais, os grandes entusiastas do Banco do Sul - Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa, do Equador – baseiam suas estratégias de crescimento econômico na exploração de importantes reservas de gás natural e de petróleo que seus países possuem, o que colocaria o Banco em rota de colisão com o desenvolvimento de uma antieconomia do carbono.
De toda forma, concordando ou não, os governos que tocam a idéia do Banco sabem que não podem perder tempo. A conjuntura que possibilita a criação do Banco do Sul depende da gigantesca fome da China por bens primários – fome que ninguém sabe até quando dura. A despeito dos efeitos sociais e ambientais que geraram, as importações chinesas resultaram nas mais robustas reservas em dólar da história dos sul-americanos, que venderam centenas de milhões de toneladas de aço, cobre, carne e soja para os chineses.
Ou o Banco do Sul é criado já, aproveitando essa conjuntura, ou dificilmente a bonança política e econômica se repetirá em outro momento. É agora ou nunca.
Brasília vacila; o Equador lidera
Os sócios do Banco do Sul discordam em vários temas. Brasília está mais preocupada com seu peso econômico específico e com vantagens pontuais que essa condição lhe proporciona no mercado internacional. Por esta razão, o Brasil ainda não aposta veementemente nessa nova instituição financeira. Foi o último dos seis países (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Venezuela e Paraguai) a se integrar (em 3 de maio) ao grupo (Argentina, Bolívia e Venezuela) que vem debatendo o assunto desde janeiro.
Tem dúvidas em aderir, mas sabe que não pode ficar à margem de tal iniciativa, ou Chávez, que já desempenha informalmente o papel de emprestador de última instância, comprando títulos da Argentina, Uruguai e Bolívia, vira caudatário do novo organismo e líder inconteste da região. Chávez e Kirchner já teriam, inclusive, convidado observadores da Ásia e África a integrar as discussões do Banco, abrindo a países de outras regiões a possibilidade de integrarem o Banco no futuro, numa clara estratégia global de enfrentamento do FMI e dos EUA.
Por isso, técnicos do Ministério da Fazenda comparecem às reuniões (acontece mais uma no início de junho em Brasília) e Guido Mantega afirma que o Brasil ingressará no Banco. Mas, nem Lula nem o Itamaraty pronunciam-se firmemente a favor da nova instituição.
O curioso é que a vacilante posição brasileira acaba colocando uma pitada de prudência na iniciativa. Os primeiros rascunhos do Banco, elaborados por argentinos e venezuelanos, propunham a reedição dos mesmos instrumentos neoliberais de captação de recursos e endividamento que levaram o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial e o FMI à inutilidade em que se encontram agora.
Ao perceber o problema, o governo do Equador – o principal articulador do Banco, através de seu ministro da fazenda Jorge Patiño - alterou os pressupostos do futuro organismo, que passou a apontar, inclusive, para a possibilidade de ancorar o projeto da moeda única para a região.
O clima e a bomba-relógio amazônica
Se o Banco se transformar no primeiro grande instrumento de financiamento a uma antieconomia do carbono, subsidiando processos produtivos que ajudem a diminuir as emissões de gases das mudanças no clima global, teria enorme impacto positivo para o planeta inteiro e, particularmente, para a bacia amazônica.
Ela é vista por poderosos agentes estatais e privados, nacionais e internacionais, como simples produtora de diferentes tipos de energia – e essa “missão natural” atribuída á região nos exige considerar um cenário futuro em que a bacia atraia atenção de tipo semelhante à dispensada às reservas de petróleo do Oriente Médio.
Ao manter florestas em pé e as fontes carboníferas como desinteressantes economicamente, e ao desenvolver a ocupação economicamente sustentável do território, uma antieconomia carbonífera contribuiria para desmontar a bomba-relógio do interesse sobre a região, preservando as vastas reservas de água (na atmosfera, sob a forma de vapor d´água, na superfície e nos reservatórios de subsolo), de gás natural e de petróleo.
Se o Banco do Sul não for consenso agora em Assunção, já existem duas outras datas em que o lançamento oficial poderia acontecer. A primeira seria outra reunião de cúpula do Mercosul, que acontece em fins de junho, outra vez em Assunção. A segunda seria mais ao estilo Chávez: durante a abertura da Copa América de futebol, na Venezuela, que acontece na mesma época.
Qualquer que seja o local escolhido, entretanto, todos sabem: a hora é essa.
Também publiucado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=59117
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