terça-feira, agosto 07, 2007

EM VEZ DE POLÍTICA, ESPETÁCULO ENERGÉTICO

A elaboração de política energética integrada à uma estratégia de desenvolvimento nacional não é uma prioridade do Brasil há vários governos. Como em qualquer área – da aviação ao saneamento básico - referem-se projetos episódicos, de grande visibilidade, a opões estruturantes que demoram a render frutos. O espetáculo do curto prazo, em qualquer área do interesse público, vale mais do que a essência – e não tem sido diferente no campo da energia.

A falta de opção estratégica ficou evidenciada, mais uma vez, no leilão para compra da energia que vai abastecer o Brasil nos próximos anos. Realizado em 20 de julho pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), uma estatal recém criada, o leilão só atraiu empresas interessadas em fornecer eletricidade gerada por termoelétricas movidas a óleo combustível (que é caro, apesar de extremamente subsidiado, e muito poluente). O objetivo foi exclusivamente atender ao mercado nos próximos anos, sem considerar as décadas seguintes, nem os impactos ambientais. Apesar disso, o presidente da EPE foi triunfalista.


“O leilão foi um sucesso absoluto. Atendeu mais do que 100 por cento da demanda. Fiquei surpreso com a redução de preço, que foi acentuada. Achei que ficaria perto dos 140 (reais por MWh, teto estabelecido pelo governo)", afirmou Maurício Tolmasquin. Antes de virar executivo de grande empresa, ele era um dos melhores professores do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e foi presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético. As credenciais acadêmicas provam que Tolmasquin sabe que termoelétricas movidas a óleo combustível são caras e jogam na atmosfera vários tipos de gases, principalmente CO2, o gás que mais contribui para acelerar mudanças no clima.


Mas, as opiniões controversas não param aí. Tolmasquin. revelou que o BNDES deve financiar a construção das termoelétricas, mostrando que o Estado brasileiro continua a comprometer seus recursos com projetos insustentáveis ambientalmente. Ao mesmo tempo, o governo orienta seus técnicos a não se empenharem em desenvolver uma engenharia econômico-financeira e legal que viabilize as fontes pejorativamente chamadas de “alternativas”.


Ao contrário, opções como as defendidas por Tolmasquin vão rapidamente incendiando a capacidade brasileira de o Brasil liderar a busca global por novos paradigmas energéticos para superar a instabilidade – inclusive política - do carvão, do gás natural e do petróleo.


Uma semana depois do leilão, durante reunião do bissexto Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Tolmasquin admitiu à Folha de São Paulo que “as fontes [de energia] até 2011 não são as ideais, nem do ponto de vista econômico, nem do ecológico". Mas, a aparente mea culpa não significou nem mudanças de rumo, nem a opção pelo planejamento de longo prazo.


O CNPE apresentou ao Presidente da República – que pela primeira vez na história do Conselho permaneceu até quase o fim da reunião - alternativas energéticas no mínimo controversas. Se, de fato, não emitem tantos gases quanto as fontes fósseis, são amplamente questionáveis do ponto de vista do custo, dos impactos sociais e ambientais e da segurança. Para viabilizá-las, os técnicos arregimentados pelo CNPE – todos vinculados à uma visão obreirista de grandes projetos que reinava no Brasil das décadas de 1970 e 80 – voltam a ameaçar com a possibilidade de falta de energia.


A primeira alternativa apresentada pelo CNPE significa, na prática, a volta a meados dos anos 1970, quando o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha: construir outra central atômica, além da retomada de Angra 3, anunciada há cerca de 30 dias.


O espírito daquele acordo, que no fundo visava a capacitar o Brasil a construir bombas atômicas, ainda orienta a opção nuclear atual – agora dirigida pelo poderoso lobos da indústria de base. Sem qualquer discussão pública, como seria de bom tom a iniciativas democráticas, deseja-se retomar a construção de usinas nucleares repetindo erros do passado. Evita-se debater os custos econômicos e os reflexos de longo prazo que esta opção encerra.


A segunda alternativa apresentada a Lula foi construir mais e mais grandes hidrelétricas, quase todas na região amazônica, sem considerar que os atuais modelos de produção e de consumo de energia no Brasil induzem ao desperdício, à concentração de renda e à exportação líquida de energia, através das maciças e crescentes vendas ao exterior de produtos de baixo valor agregado. Há, portanto, uma enorme quantidade de energia a ser conservada, antes de se construir novas e caras obras.


Ao aconselhar o Presidente, o CNPE também deveria levar em conta a praticidade das mudanças no clima. deveria, enfim, considerar a emissão de carbono e de outros gases que produzem mudanças no clima dos produtos e dos processos envolvidos nos projetos que recomenda. Trata-se, assim, de de começar a elaborar, e de ir constitucionalizando, uma espécie de anti-economia do carbono, ajudando o Brasil a deixar o infeliz posto de quarto maior emissor de gases da mudança do clima (sem deixar de considerar que 75% dos gases que emitimos vêm da queima de florestas, um nó do desenvolvimento brasileiro).


É válido recordar a aposta feita pelo Brasil, nos anos 1970, no álcool combustível, a despeito das dúvidas e quanto a sua eficácia como alternativa viável aos combustíveis fósseis. (Não se está fazendo aqui juízo de valor nem das relações de trabalho, nem do esmorecimento a poucos grupos econômicos ao longo da implantação do Pró-álcool.)


O fato é que os objetivos estratégicos a que uma determinada opção energética se dispunha foram alcançados, o que nos ensina que o desenvolvimento de novas fontes de energia exige apostas de longo prazo, com metas e objetivos. No caso das energias ditas alternativas, significa tomar a decisão política e fazer os investimentos necessários para dar-lhes viabilidade técnica e econômica, uma vez que já está comprovada a viabilidade científica destas opções.