quarta-feira, março 19, 2008

PARA O BNDES, HOSPITAL DA ELITE É "ÁREA SOCIAL"

Carlos Tautz

Conhecido pela sua alta qualidade técnica e preços em igual patamar, o Hospital Albert Einstein, localizado no reservado bairro do Morumbi, em São Paulo, recebeu em setembro de 2007 quase R$ 249 milhões do BNDES para financiar um aumento de 143 mil metros quadrados de sua área construída. O empréstimo foi o considerado pelo Banco, que opera com recursos do Tesouro e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), uma ação de “inclusão social”, a despeito de destinar-se a uma empresa privada que serve o público de mais alta renda do Brasil.

Em outro empréstimo dito “social”, o Banco liberou R$ 16,5 milhões para a empresa Servatis adquirir o parque fabril da Basf e formar capital de giro – sem que qualquer emprego tenha sido gerado.

Estes são dois exemplos de empréstimos a empresas privadas feitos pelo Banco – que é 100% estatal e que e opera com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). É a primeira vez em seus 56 anos de vida que o Banco torna públicas essas operações com empresas privadas – apesar de a publicidade no uso de recursos públicos ser um dos princípios da Constituição nacional desde 1988.

Divulgada em 14 de fevereiro, a lista de projetos é amplamente insuficiente, diante do que foi solicitado ao Banco em julho de 2007 pela Plataforma BNDES, e não tem recebido do banco a necessária publicidade. Sequer no sítio de internet do BNDES ela ganha destaque (está em www.bndes.gov.br/clientes/setorprivado.asp).

A lista foi uma das reivindicações da Plataforma BNDES, que é uma rede de 30 ONGs e movimentos sociais, entre eles o Ibase, a CUT e o MST. Essas organizações elaboraram um documento (www.ibase.org.br/userimages/Plataforma%20BNDES.pdf) , avaliando o Banco e solicitando a reorientação de seus critérios de financiamento. O autor deste artigo foi um dos redatores do documento.

A lista mostra que os maiores empréstimos do BNDES sempre se destinam a grandes tomadores de crédito, que atuam em áreas tremendamente concentradoras de renda e que ao longo dos anos tem-se repetido no rol dos beneficiários desses desembolsos. Alguns desses empréstimos visavam a atividades que deveriam ser consideradas, no mínimo, controversas, por um banco público de desenvolvimento que opera com recursos do FAT.

Em alguns casos, o dinheiro foi utilizado em operações meramente financeiras e intrafirmas, para algumas empresas comprarem ativos no exterior – sem que nenhum emprego tenha sido gerado no Brasil. A lista também mostra que o BNDES continua a financiar quem poderia captar no exterior e liberar o Banco para investir em ações de impacto social mais representativo e direto aqui mesmo no País. Entre esses projetos está o financiamento de R$ 2,271 bilhões para a Vale do Rio Doce, que acaba de acertar com um consórcio de bancos ingleses um empréstimo de US$ 50 bilhões para comprar a mineradora suíça Xtrata.

Aliás, é sempre bom relembrar que o BNDES tem participação acionária expressiva e com direito de veto na mineradora, o que levanta questões éticas quanto aos aportes do Banco na empresa. O BNDES tem expressiva participação acionária na Vale (como em muitas outras empresas), o que traz à tona o debate sobre se o Banco deveria emprestar a, em última instância, a si mesmo e viabilizar enormes lucros de si próprio e das companhias de que faz parte.

Tal operação caberia a um banco privado, mas deve ser questionada quando se trata de um banco público de fomento – o que o Ministério Público Federal teria a dizer?

Outro empréstimo que suscita atenção é o aporte à MPX Mineração e Energia, contratado em 11 de dezembro passado. A empresa de Eike Batista recebeu R$ 179 milhões para “a compra de 178 mil ações ordinárias de emissão” da própria MPX.

Mais um caso: um aporte garantiu à CSN, em 25 de janeiro de 2007, R$ 1,1 bilhão para comprar ações do Grupo Corus na Europa – em outro claro exemplo de grupo brasileiro que poderia alavancar-se com empréstimos de fontes comerciais, deixando o dinheiro BNDES para o crescimento da capacidade produtiva no Brasil, com prioridade à geração de benefícios sociais e não de mais concentração de renda.

Para terminar, mais uma operação chama a atenção para a ampla margem discriminatória que possui o Banco. A JBS de São Paulo conseguiu do BNDES R$ 1,516 bilhões para comprar a Swift&Co, dos EUA. E, ainda no setor de alimentação, surge uma ação coordenada entre o BNDES, o Unibanco e a Sadia.

O Banco, que restringe empréstimos a cooperativas de créditos da agricultura familiar, em operações semelhantes a esse acordo Sadia-Unibancio, em 23 de abril liberou R$ 213 milhões para o Unibanco financiar produtores rurais que forneçam exclusivamente à Sadia, em numa ação que induz à permanente dependência dos pequenos agricultores da grande empresa e que os coloca na cadeia produtiva prioritária da exportação, sem que o mercado interno tenha qualquer garantia de atendimento.

E, ainda por cima, em 10 de maio de 2007, a Sadia já havia recebido R$ 462,5milhões para construir um complexo agroindustrial em Lucas do Rio Verde (MT) – o apoio correspondeu a 67% do investimento total.

A divulgação de informações sobre o processo de viabilização de grandes projetos estruturantes da economia é decisiva para entender com mais precisão o modelo de desenvolvimento que é posto em prática no Brasil. Afinal, é nesses espaços de decisão econômica e de circulação bruta de dinheiro que são feitas as opções que há décadas mantém o sistema de radical concentração de renda que caracteriza o Brasil. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=94209&a=112)

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