quarta-feira, março 19, 2008

CASO OI-BRT: ONDE FICA A DIMENSÃO SOCIAL?

Carlos Tautz

Mover mundos e (principalmente) muitos fundos para garantir a fusão da Oi/Telemar com a Brasil Telecom (BrT), e o investimento de outras grandes do setor, tem sido a única preocupação do governo brasileiro na ampla rearrumação comercial e de paradigma tecnológico pelo qual passam as comunicações – área definidora de qualquer estratégica de desenvolvimento. A dimensão social do negócio, que lida com concessão de serviços públicos, inexplicavelmente está ausente do debate em torno do negócio.

Como parte do processo de fusão, chega-se até a aventar a publicação de um decreto presidencial para alterar o Plano Geral de Outorgas (PGO), o que representa a aplicação de uma enorme força política e institucional. Mas, até agora não foi emitido qualquer sinal de que serão exigidas contrapartidas sociais para liberar, através do BNDES, os cerca de R$ 4 bilhões que viabilizariam o negócio e certamente vão garantir um enorme ganho de produtividade às empresas envolvidas.

Poderes de financiamento e de normatização para induzir a socialização de parte dos benefícios o governo tem de sobra. Porém, nem a Casa Civil, que segundo a imprensa tem coordenado a operação em conjunto com o BNDES, nem o Ministério das Comunicações e sequer a Anatel, a agência reguladora, aventaram exigir que esse vasto reordenamento institucional, econômico e tecnológico seja utilizado para a adoção de amplas e profundas medidas de inclusão digital, de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico e de desenvolvimento de conteúdos nacionais.

Em verdade, a operação das teles vai na direção oposta e tem sido tratada de forma desarticulada de outros dois importantes movimentos que ocorrem no setor e que deveriam fazer parte de uma política nacional de comunicação.

Esses movimentos são a implantação da tevê digital e o debate na Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei 29/2007 (que trata do sistema de produção, empacotamento e comercialização de conteúdos audiovisuais).

Desenvolvidos articuladamente, eles garantiriam a socialização de parte dos vários tipos de ganhos que as megaempresas do setor vão auferir com o negócio. Mas, esses movimentos têm corrido em raia própria, como se nada tivessem a ver com a fusão da Oi com a BrT.

Sequer é considerado pelas autoridades o fato de que dessa operação, que só está indo à frente por obra e graça do governo federal, pode surgir um grupo com escala operacional para implementar políticas de universalização, principalmente na banda larga. Mas o governo não pensa assim, embora se trate de uma concessão de serviços públicos – o que justificaria a contrapartida para a sociedade.

Aliás, foi emblemático o fato de o governo voltar a conferir ao BNDES papel central na rearticulação do setor de telecomunicações. Na década de 1990, o Banco recebeu do governo a tarefa de desenvolveu capacidades técnicas para moldar as privatizações. Contratou consultores internacionais e com eles geriu as licitações do Programa Nacional de Desestatização (PND). Subsidiou a privatização e abriu um fluxo de negócios com as empresas da área que permanece, e vem se ampliando, até hoje. Agora, o Banco repete a dinâmica dos anos 90 e aplica uma perspectiva estritamente comercial à operação da Oi-BrT.

Segundo informações de imprensa, o BNDES financiará os grupos La Fonte e Andrade Gutierrez na formação da nova megatele e ainda por cima articula o aporte e a participação no negócio dos fundos de pensão Petros (dos funcionários da Petrobras), Previ (do Banco do Brasil) e Funcef (da Caixa Econômica Federal) – todos controlados pelo governo federal. Mas, não dá uma palavra sobre contrapartidas sociais.

A propósito, já passou da hora de se fazer uma avaliação crítica sobre o contínuo aporte de volumosos recursos que o Banco vem fazendo à teles, em especial à OI e à BrT, muito após a privatização. Afinal, o principal argumento pró-privatização era o de que a desestatização liberaria o Estado para investir na educação, na saúde etc.

De fato, a oferta de bens e serviços disparou nas regiões do País e entre as classes com maior renda. Todas as estatísticas do setor, entretanto, mostram que o perfil dos usuários continua refletindo a extrema concentração de renda no Brasil. Segundo o professor Dantas, a massa da oferta dos serviços está concentrada em pouco mais de 400 municípios, e a telefonia celular só chega a cerca de 50% das residências, enquanto não mais do que 20% de todos os lares têm aceso aos demais serviços de telecomunicações. Não há renda suficiente para demandar os serviços.

Boa parte da responsabilidade sobre esse quadro deve ser atribuída ao governo, que regula e que, com os empréstimos periódicos de suas agências, viabiliza financeiramente as empresas da área. “Desde a privatização do setor, em 1998, até dezembro de 2007, o departamento de telecomunicações do BNDES aprovou financiamento de R$ 7,9 bilhões para as empresas de telefonia móvel. O valor representa 35% do total aprovado para as telefônicas no período, que soma R$ 22 bilhões”, explica o próprio Banco em sua página na internet.

O Banco é o grande provedor de recursos para todo o setor. Mas, é especialmente importante para a Oi e a BrT , como mostram essas informações disponíveis em www.bndes.gov.br:

1. De acordo com a lista dos 50 maiores projetos dos últimos 12 meses, a Telesp recebeu pouco mais de R$ 2 bilhões e a Vivo, R$ 1,53, ambos aportes para implantação e expansão da rede das empresas.

2. Em 9 de janeiro de 2008, enquanto já apareciam na imprensa detalhes da fusão entre os dois grupos, o BNDES aprovou financiamento de R$ 259 milhões paro plano de investimentos da Brasil Telecom Celular S.A até 2009. O total desembolsado equivale a 49,83% do investimento total da empresa, de R$ 519,9 milhões. A Brasil Telecom Celular S.A é subsidiária integral da Brasil Telecom e opera no Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

3. Em seis de outubro de 2006, o BNDES já havia destinado à empresa R$ 2,1 bilhões. Até então, aquele havia sido o empréstimo ”mais elevado concedido para o setor e um dos cinco maiores aprovados pelo Banco”.

4. Em 2005 e 2006, o Banco aprovou financiamentos R$ 3,7 bilhões para o setor, que investiu o total de R$ 9,4 bilhões. No período, os desembolsos - dinheiro efetivamente aportado – alcançaram R$ 3,5 bilhões.

5. A Oi/Telemar também tomou muito dinheiro ao BNDES. Em 1o de novembro de 2006, a empresa recebeu financiamento de R$ 2,4 bilhões. Do total, R$ 1,97 bilhão será concedido à Telemar Norte Leste e o restante, R$ 466,7 milhões, à sua subsidiária Oi, operadora de celular. Através de sua subsidiária BNDES Participações, o Banco possui 25% das ações com direito a voto na Oi/Telemar, mas não tem exercido na empresa um papel equivalente a essa posição estratégica no bloco controlador da telefônica.

6. Entre 2000 e 2005, o BNDES aprovou para o grupo Telemar R$ 4,1 bilhões (além dos R$ 2,4 bi). Assim , o Banco liberou 36,55% do total de investimentos do grupo Telemar entre 2006 e 2008.

É imensa a capacidade de o Estado no Brasil formular ideologicamente, planejar, legislar, financiar, regular e fiscalizar toda forma de produção. Resta saber se ele continuará a abdicar dessa responsabilidade. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=93471&a=112)

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