segunda-feira, março 24, 2008

INDIGNÇÃO DE PRAXE NÃO PÁRA DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

Carlos Tautz

Depois do escândalo, a má e velha omissão de sempre volta a assolar a Amazônia. Em janeiro, o Ministério do Meio Ambiente teve de admitir o que os ambientalistas afirmavam já havia meses: os níveis do desmatamento na região voltaram a crescer no segundo semestre de 2007, após uma queda acentuada em 2006 – fato amplamente alardeado pela máquina de comunicação do governo.

Após as medidas anti-desmatamento anunciadas, como de praxe nessas situações, em tom de indignação, entidades ambientalistas, como o Greenpeace e a Amigos da Terra Amazônia – entre as mais sérias da área – mais uma vez alertam: à medida que os preços das commodities agrícolas alcançam preços estratosféricos no mercado internacional, e que o governo não coloca em prática as medidas anunciadas no calor das denúncias, a derrubada de floresta acompanha a tendência de alta dos preços dos produtos que a impulsionam.

A Greenpeace já produziu um alentado relatório – intitulado “O leão acordou” – em que aponta as razões para a retomada do desmatamento.

"Uma delas é o fato de que apenas 31% do que estava planejado foi cumprido. A baixa execução se deveu, principalmente, por falta de coordenação adequada pela Casa Civil. Outra é o aumento nos preços das commodities agrícolas e da carne bovina. Uma terceira é a transferência da responsabilidade por monitorar e autorizar o licenciamento de propriedades rurais, a exploração de madeira e desmatamentos para os estados amazônicos, desaparelhados para a tarefa”, disparou a organização conservacionista.

A Amigos da Terra centrou fogo na falta de eficácia justamente daquela medida que parecia ser a mais contundente contra os devastadores, porque os fisgava pela parte que dói mais: o bolso. A medida, que atendia a uma antiga reivindicação dos ambientalistas, havia sido tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que em 28 de fevereiro emitiu a resolução 3545.

Ela determina a exigência de Certificado de Cadastramento de Imóvel Rural (CCIR) e comprovação de respeito à legislação ambiental (licença, averbação de reserva legal, áreas de preservação permanente) para concessão de crédito rural na Amazônia por parte de todo sistema bancário - inclusive o Banco do Brasil e o Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dois poderosíssimos instrumentos de governo do Estado brasileiro, que não param de financiar atividades devastadoras da região.

Parecia que finalmente o mal era cortado pela raiz (apesar de a resolução do CMN apenas reforçar o óbvio: de que o sistema bancário só poderia financiar quem estivesse dentro da lei). Porém, apenas um mês depois de as medidas terem sido publicadas, a Amigos da Terra já tem outra avaliação.

”O que pareceria um avanço pode não causar mudança devido a um relaxamento na resolução: na inexistência de certidão de regularidade ambiental, um atestado de recebimento da documentação será suficiente para receber o crédito subsidiado”, publicou a organização em seu sítio na internet.

“Com essa ação”, continua a Amigos da Terra, " está criado um novo mercado: o da venda de protocolos, já que para se obter um crédito rural, basta usar um mero comprovante de entrega de alguma documentação, que não precisa ser checada ou nem mesmo ser considerada relevante, solicitando a regularização ambiental”, diz Roberto Smeraldi , diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira”.

Não chega a ser uma inédita essa enorme reversão de expectativas, em se tratando de economia brasileira. Desde a chegada dos europeus à América Latina, no século 15, a região insiste em se inserir na economia mundial como produtora de bens naturais, com baixo valor agregado e com absoluta prioridade para o atendimento do mercado externo – sempre crescente e exigente.

Essa opção histórica, entretanto, esgotou-se à medida que seus impactos sociais e ambientais deixam de ser toleráveis pela sociedade. Afinal, quanto mais uma atividade econômica tende à primariedade, maior é a concentração da renda nas mãos de poucos, enquanto os malefícios são distribuídos pela maioria da população.

Só a compreensão de que meio ambiente e sociedade têm seus destinos entrelaçados pode levar a uma ampla reorientação no modo de produção de riquezas, limitando enormemente os impactos negativos da opção pela devastação ambiental.

Essa, porém, não é uma tarefa fácil. Em verdade, é a grande tarefa de nossa geração. Mais do que reprogramar a economia, ela exige que o Brasil repense a forma como ao longo da história vem se relacionando com seu próprio povo e com o restante do planeta. Exige que o Brasil finalmente decida se quer existir para si ou se continuará a manter as suas veias abertas. (Também publicado em http://www.diariodaterra.com.br/artigos_diario.asp )