sábado, julho 22, 2006

COMEÇA A CAIR A FICHA DO BNDES

Demorou, mas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), um dos mais importantes vetores do desenvolvimento brasileiro, começa a dar os primeiros passos para estabelecer relações democráticas com a sociedade a que ele pertence.

Após quase 55 anos de vida, pela primeira vez o Banco se abriu a um debate público, em 13 de julho, com organizações da sociedade e movimentos sociais. A empresa recebeu em sua sede o seminário "O BNDES que temos e o que queremos: o papel do Banco no financiamento do desenvolvimento nacional democrático", organizado pela
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (que congrega 80 associações, sindicatos, conselhos profissionais e movimentos sociais) e pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.

Ao que parece, a ficha do Banco começa a cair.

O debate teve como convidados o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, que representam grupos impactados pelo desenvolvimento a que os financiamentos do Banco induzem. Todos concordaram que, para o país diminuir suas enormes disparidades, precisa reorientar seus vetores de desenvolvimento e, nessa estratégia, cabe ao Bndes introduzir preocupações sociais e sócioambientais aos seus principais desembolsos.

Também ficou claro que esse objetivo somente será alcançado se o Banco se mantiver público e é justamente defender esse princípio que as entidades querem que o Bndes, ao definir critérios de financiamento, considere as opiniões de legítimas organizações da sociedade brasileira. Isso se chama controle social, instrumento típico de democracias avançadas, que ajudaria a isolar o banco de estratégias privatistas.

Outra forma de dificultar a ação dos que desejam apropriar-se dos recursos do Bndes seria dar transparência às ações do Banco. Nesse sentido, as entidades solicitaram ao presidente da empresa, Demian Fiocca, a colocação em prática da portaria de 17 de fevereiro de 2006, que determina a elaboração de uma política para dar publicidade às informações de caráter público, mas que o Banco não divulga atualmente. A data limite para formulação dessa política era 17 de junho, mas até hoje ela não foi concluída.

Sobre o papel do banco no financiamento ao desenvolvimento, duas áreas foram consideradas prioritárias: energia e desenvolvimento rural. Foram questionadas a construção da hidrelétrica Campos Novos, que recentemente rachou, e do inexplicável volume de recursos investidos no setor celulose, que gera imensos danos sócioambientais e exporta quase 100% de sua produção. Os dois casos apenas se viabilizaram com os aportes do Bndes. Daí, inclusive, surgiu mais um consenso: em áreas com tamanho grau de sensibilidade, o banco deveria ser pró-ativo e abrir debates públicos sobre seus financiamentos de maior monta.

Aliás, por que não fazê-los agora, quando o Bndes quer financiar as megahidrelétricas no Rio Madeira (RO),orçadas em mais de R$ 20 bilhões? A decisão de viabilizar o represamento do segundo maior rio da bacia amazônica não pode ser tomada sem cuidadosas análises dos impactos da obra - como o estímulo ao desmatamento da Amazônia brasileira em sua porção ocidental.

Se realmente quer se filiar às modernas tendências corporativas – e fazer jus ao título de banco de desenvolvimento -, o banco tem de considerar outros critérios de análise, para além do mero desempenho financeiro. Poderia começar cumprindo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2007, que obriga agências financeiras oficiais de fomento a reduzir as desigualdades de gênero, raça, etnia, geracional, regional e de pessoas com deficiência, quando da definição da política de aplicação de seus recursos, e a publicar relatório anual do impacto de suas operações no combate a essas desigualdades.

A observância de dispositivos como esses e a aliança com organizações sociais ajuda o Bndes atender à maioria da sociedade brasileira, ao contrário do que tem acontecido. Ao contrário, o Banco já se deixa privatizar quando, por exemplo, mantém o critério do desembolso como único indicador de desempenho porque, assim, busca desesperadamente liberar seu gigantesco orçamento (cerca de R$ 60 bilhões em 2005) e dá pouca atenção ao fato de induzir a um padrão concentrador e ambientalmente predatório de desenvolvimento.