O QUE ESTÁ EM JOGO NO MADEIRA
Luis Fernando Novoa
Os grandes projetos de infra-estrutura têm o poder de consolidar determinadas trajetórias de desenvolvimento. Por isso, todos temos o direito de aprová-los, de condicioná- los ou de vetá-los. Complexos energéticos e viários servem para densificar ou para simplificar territórios.
Qual é a escolha, quem escolhe? Energia, água, transportes e telecomunicações para que, para quem e de que forma deveriam ser as questões balizadoras do planejamento da infra-estrutura no país? No entanto, os critérios determinantes têm sido taxas de retorno compensadoras e o uso competitivo dos equipamentos. O resultado: infra-estrutura como negócio em prol dos negócios, estruturando cadeias de comércio intrafirma no lugar de mercados internos.
Na ausência de políticas econômicas e setoriais ativas, tem prevalecido a lógica do leilão de oportunidades de negócio, da oferta de plataformas de produção de commodities com baixos custos operacionais, aos capitais monopolistas internacionais e nativos. Os grandes projetos têm servido para reestruturar o território em marcos privados e transnacionais, desfigurando meio ambiente, economias locais e saberes tradicionais. Não queremos uma democracia que se restrinja a executar medidas compensatórias e mitigadoras, depois de estabelecidas as decisões de mercado. Na construção de duas gigantescas hidrelétricas no Rio Madeira, uma meia Itaipu no maior afluente do Rio Amazonas, estão em jogo as linhas mestras que irão prevalecer no futuro do país e do continente.
Em primeiro lugar é a feição da Amazônia que está em jogo. Sem projeto nacional para impor contornos ao poder dos mercados, sem prioridades socioambientais e intergeracionais claramente identificadas, a região ingressará desguarnecida no novo estágio de internacionalização que se avizinha. A região vai servir de trampolim para um “salto elétrico”, ao dispor do setor privado, ainda que sob impulso da Eletrobrás. De fronteira agrícola a “fronteira elétrica”, a Amazônia vai retroalimentando sua destruição.
O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (2006-2015) já definiu que o caminho previsto para a expansão é o aproveitamento máximo do potencial hidrelétrico da Bacia Amazônica, a começar pelo Complexo do Madeira. A construção de Santo Antonio (3,15 mil MW) e Jirau (3,3 mil MW) consolidaria o perfil de um modelo voltado para a disponibilização de “excedentes” para atrair segmentos industriais eletro-intensivo, como os da cadeia do alumínio. Uma reedição da desastrosa política de incentivos para a ocupação da Amazônia, incentivos agora de ordem infra-estrutural com impactos muito menos reversíveis.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e parte considerável das elites nacionais compartilham a mesma visão acerca da Amazônia: um “obstáculo ao desenvolvimento”. O BID também se refere à região como um “celeiro de projetos de infra-estrutura paralisados”. Não casualmente, a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana(IIRSA), financiada majoritariamente pelo BID com participação do BNDES, dedica três de seus 10 “eixos de integração” ao objetivo de destravar os fluxos econômicos globais que querem atravessar a Amazônia. (Correio Braziliense, em 31/07/2006)
Luis Fernando Novoa, sociólogo, é Membro da Attac, do GT Integração da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e Rede Brasileira Para Integração dos Povos
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