sábado, agosto 18, 2007

UMA PLATAFORMA PARA O BNDES

O fato, insólito, aconteceu em 8 de agosto em Brasília: Luciano Coutinho, emérito professor de economia e recém nomeado presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ouviu críticas profundas e debateu por duas horas a atuação do Banco que chefia. Até aí, nada de mais. Afinal, o BNDES frequentemente dialoga com representantes do governo e de grandes empresas. A diferença estava no tipo dos interlocutores de Coutinho e na disposição do presidente do Banco de ouvi-los.

Pela primeira vez, um presidente do BNDES aceitou discutir pública e amplamente com ONGs, entidades sociais e sindicais, do Brasil e de outros países sul-americanos, os critérios dos desembolsos do Banco, que é o maior financiador do desenvolvimento brasileiro desde a segunda metade do século 20 e foi alçado por Lula à condição de instrumento de política externa.

Coutinho deu uma demonstração de grande simbolismo. Saiu de seu gabinete, no Centro do Rio de Janeiro, e viajou a Brasília para participar de um evento patrocinado pelas organizações sociais. Com seu ato, evidenciou a disposição pessoal de dialogar com setores da sociedade que, apesar de serem diretamente impactados pelos projetos viabilizados pelo Banco, até hoje não haviam feito um debate tão profundo, sistemático e de alto nível acerca das orientações estratégicas do BNDES.

O que também chama a atenção é o fato de que aquela foi a segunda vez, em 30 dias, que Coutinho se reunia com as organizações – entre elas, o Ibase (ong fundada pelo sociólogo Herbert de Souza), a CUT, o MST e a Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais. No dia 9 de julho, ele recebeu desse grupo um aprofundado documento chamado Plataforma BNDES (ver o documento em http://www.ibase.br/userimages/Plataforma%20BNDES.pdf ).

O texto avalia a atuação do BNDES e propõe medidas para reorientar o Banco quanto à transparência de informações; participação e controle social; desenvolvimento de critérios e parâmetros regionais, sócio-ambientais, climáticos, de gênero e raça/etnia, de trabalho e renda; além de políticas setoriais para infra-estrutura social, descentralização do crédito, desenvolvimento rural sustentável e agroecológico, energia e clima e integração regional sul-americana.

Ou seja: grupos sociais representativos solicitaram – e conseguiram da parte de Coutinho a adesão verbal às suas propostas – mudanças estruturais no mais importante vetor do desenvolvimento brasileiro, aquele que tem o poder de modelar, de limitar ou de viabilizar o crescimento econômico do País. A ver o desenvolvimento desse processo.

Coutinho assumiu há poucos meses com uma missão definida pelo presidente Lula: fazer do BNDES um dos principais financiadores do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos dos desenvolvimentistas do Palácio do Planalto. O PAC prevê o desembolso de várias dezenas de bilhões de dólares em projetos e programas que ratificam a inserção do Brasil na economia mundial como exportador de bens de baixo valor agregado localmente – além de também atender algumas necessidades prementes, como grandes investimentos na área de saneamento.

No debate com as organizações sociais, Coutinho não se furtou a tratar de temas espinhosos. Reconheceu que o BNDES não dá a publicidade devida às suas ações – o que é particularmente grave porque o Banco é operador de boa parte dos recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT – e comprometeu-se a mudar esse cenário. Só aí, Luciano já avançou enormemente , em relação aos seus antecessores. Mas, ele ainda fez mais.

Também reconheceu que é extremamente problemática a atuação do BNDES na área de papel e celulose e disse que reveria os critérios para liberação de novos empréstimos. Solicitou que as organizações sociais ali presentes encaminhassem ao Banco denúncias de conflitos sociais motivados pela implantação de projetos apoiados pelo BNDES. Dirigiu-se especificamente a ambientalistas, pequenos agricultores e pessoas que se reivindicam remanescentes de quilombos.

Eles apontaram graves disputas pela propriedade de grandes áreas no Espírito Santo. É o caso dos 9,5 mil hectares reivindicados pela Aracruz Celulose, conhecida receptora de grandes empréstimos concedidos pelo BNDES, e pelos remanescentes de quilombos. Sem os recursos e participação acionária do Banco nas principais empresas da área, o setor não teria alcançado a enorme escala que tem hoje.

O simbolismo da ida de Coutinho foi ainda maior porque ele também admitiu que o Estado brasileiro precisa regular a ocupação do território para fins de produção da cana e do etanol- a mais nova panacéia brasileira que, segundo o governo e o mercado, resolverá qualquer tipo de problema nacional, da fome à dor de barriga.

As manifestação de Coutinho, gestor dos bilhões de reais que podem viabilizar o projeto Lulista de liderar o mercado mundial de etanol, foi ainda mais importante do que a declaração do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, emitida há poucas semanas. Stephanes disse que o governo pretende fazer o zoneamento econômico-ecológico de todo o território brasileiro, para evitar, entre outras alternativas degradadoras, que se plante cana em larga escala na amazônia. Estava, em verdade, dando uma resposta aos concorrentes brasileiros, que já começam a espalhar mundo afora que a cana degrada a floresta amazônica (e eles têm razão, em parte), como mais uma batalha de guerra comercial internacional.

Ainda há muito chão a percorrer, até que Coutinho mostre evidências de que conseguirá colocar em prática a declaração de intenções que emitiu. Mas, seja lá o rumo que as negociações tomarão, uma coisa é certa – e esse é um dado importante. Já é uma vitória parcial a colocação em debate público da necessidade de pensar estratégias de longo curso para construir uma nação voltada para a maioria do seu próprio seu povo, após os anos de prevalência da ideologia do não-desenvolvimento neoliberal. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=70053)

terça-feira, agosto 07, 2007

EM VEZ DE POLÍTICA, ESPETÁCULO ENERGÉTICO

A elaboração de política energética integrada à uma estratégia de desenvolvimento nacional não é uma prioridade do Brasil há vários governos. Como em qualquer área – da aviação ao saneamento básico - referem-se projetos episódicos, de grande visibilidade, a opões estruturantes que demoram a render frutos. O espetáculo do curto prazo, em qualquer área do interesse público, vale mais do que a essência – e não tem sido diferente no campo da energia.

A falta de opção estratégica ficou evidenciada, mais uma vez, no leilão para compra da energia que vai abastecer o Brasil nos próximos anos. Realizado em 20 de julho pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), uma estatal recém criada, o leilão só atraiu empresas interessadas em fornecer eletricidade gerada por termoelétricas movidas a óleo combustível (que é caro, apesar de extremamente subsidiado, e muito poluente). O objetivo foi exclusivamente atender ao mercado nos próximos anos, sem considerar as décadas seguintes, nem os impactos ambientais. Apesar disso, o presidente da EPE foi triunfalista.


“O leilão foi um sucesso absoluto. Atendeu mais do que 100 por cento da demanda. Fiquei surpreso com a redução de preço, que foi acentuada. Achei que ficaria perto dos 140 (reais por MWh, teto estabelecido pelo governo)", afirmou Maurício Tolmasquin. Antes de virar executivo de grande empresa, ele era um dos melhores professores do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e foi presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético. As credenciais acadêmicas provam que Tolmasquin sabe que termoelétricas movidas a óleo combustível são caras e jogam na atmosfera vários tipos de gases, principalmente CO2, o gás que mais contribui para acelerar mudanças no clima.


Mas, as opiniões controversas não param aí. Tolmasquin. revelou que o BNDES deve financiar a construção das termoelétricas, mostrando que o Estado brasileiro continua a comprometer seus recursos com projetos insustentáveis ambientalmente. Ao mesmo tempo, o governo orienta seus técnicos a não se empenharem em desenvolver uma engenharia econômico-financeira e legal que viabilize as fontes pejorativamente chamadas de “alternativas”.


Ao contrário, opções como as defendidas por Tolmasquin vão rapidamente incendiando a capacidade brasileira de o Brasil liderar a busca global por novos paradigmas energéticos para superar a instabilidade – inclusive política - do carvão, do gás natural e do petróleo.


Uma semana depois do leilão, durante reunião do bissexto Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Tolmasquin admitiu à Folha de São Paulo que “as fontes [de energia] até 2011 não são as ideais, nem do ponto de vista econômico, nem do ecológico". Mas, a aparente mea culpa não significou nem mudanças de rumo, nem a opção pelo planejamento de longo prazo.


O CNPE apresentou ao Presidente da República – que pela primeira vez na história do Conselho permaneceu até quase o fim da reunião - alternativas energéticas no mínimo controversas. Se, de fato, não emitem tantos gases quanto as fontes fósseis, são amplamente questionáveis do ponto de vista do custo, dos impactos sociais e ambientais e da segurança. Para viabilizá-las, os técnicos arregimentados pelo CNPE – todos vinculados à uma visão obreirista de grandes projetos que reinava no Brasil das décadas de 1970 e 80 – voltam a ameaçar com a possibilidade de falta de energia.


A primeira alternativa apresentada pelo CNPE significa, na prática, a volta a meados dos anos 1970, quando o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha: construir outra central atômica, além da retomada de Angra 3, anunciada há cerca de 30 dias.


O espírito daquele acordo, que no fundo visava a capacitar o Brasil a construir bombas atômicas, ainda orienta a opção nuclear atual – agora dirigida pelo poderoso lobos da indústria de base. Sem qualquer discussão pública, como seria de bom tom a iniciativas democráticas, deseja-se retomar a construção de usinas nucleares repetindo erros do passado. Evita-se debater os custos econômicos e os reflexos de longo prazo que esta opção encerra.


A segunda alternativa apresentada a Lula foi construir mais e mais grandes hidrelétricas, quase todas na região amazônica, sem considerar que os atuais modelos de produção e de consumo de energia no Brasil induzem ao desperdício, à concentração de renda e à exportação líquida de energia, através das maciças e crescentes vendas ao exterior de produtos de baixo valor agregado. Há, portanto, uma enorme quantidade de energia a ser conservada, antes de se construir novas e caras obras.


Ao aconselhar o Presidente, o CNPE também deveria levar em conta a praticidade das mudanças no clima. deveria, enfim, considerar a emissão de carbono e de outros gases que produzem mudanças no clima dos produtos e dos processos envolvidos nos projetos que recomenda. Trata-se, assim, de de começar a elaborar, e de ir constitucionalizando, uma espécie de anti-economia do carbono, ajudando o Brasil a deixar o infeliz posto de quarto maior emissor de gases da mudança do clima (sem deixar de considerar que 75% dos gases que emitimos vêm da queima de florestas, um nó do desenvolvimento brasileiro).


É válido recordar a aposta feita pelo Brasil, nos anos 1970, no álcool combustível, a despeito das dúvidas e quanto a sua eficácia como alternativa viável aos combustíveis fósseis. (Não se está fazendo aqui juízo de valor nem das relações de trabalho, nem do esmorecimento a poucos grupos econômicos ao longo da implantação do Pró-álcool.)


O fato é que os objetivos estratégicos a que uma determinada opção energética se dispunha foram alcançados, o que nos ensina que o desenvolvimento de novas fontes de energia exige apostas de longo prazo, com metas e objetivos. No caso das energias ditas alternativas, significa tomar a decisão política e fazer os investimentos necessários para dar-lhes viabilidade técnica e econômica, uma vez que já está comprovada a viabilidade científica destas opções.