quarta-feira, setembro 26, 2007

ENTUSIASMO DE PRAXE NA ONU

Era previsível o discurso do presidente Lula ontem, na assembléia geral da ONU, cujo tema são as mudanças no clima. Lula tentou defender o indefensável e não explicou porque o Brasil ainda queima tanto a Amazônia. Mesmo considerando que o ritmo das queimadas caiu em 2006 pelo terceiro ano consecutivo, o governo brasileiro deveria abrandar as comemorações, pois a redução dos índices do desmatamento se deve menos à ação efetiva, coordenada e duradoura do estado brasileiro e, mais, à queda dos preços no mercado internacional de commodities – soja e carne, por exemplo –, que fez diminuir a expansão do negócio agrícola na Amazônia. A situação, ainda que melhor do que em tempos anteriores, continua insuportável. O Brasil é o quarto maior emissor de gases causadores das mudanças no clima. Mais de 70% desses gases são emitidos por queimadas amazônicas.
Nada, portanto, digno do entusiasmo de praxe que Lula demonstrou nas Nações Unidas – e ambientalistas e cientistas vêm alertando o governo para o fato.
“A taxa de desmatamento na Amazônia entre o segundo semestre do ano passado e o primeiro de 2007 deve ser de cerca de 9,6 mil km2, a mais baixa desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou, em 1988, a monitorar a destruição da cobertura florestal da Amazônia”, observou o grupo ambientalista Greenpeace, ressalvando que “o preço da soja voltou a subir às vésperas da safra que começa a ser plantada em setembro, o preço da carne aumentou, grandes áreas da Amazônia já estão isentas de febre aftosa e o anunciado boom dos agrocombustíveis começa a fazer pressão sobre as terras disponíveis na região. A conseqüência já se faz sentir: o número de queimadas desde junho está aumentando em relação ao ano passado”.
Outros fatores, viabilizados pela intervenção do Estado nacional, devem aumentar a pressão sobre a floresta nos próximos anos. É o que se espera a partir da promessa feita pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Ela quer transformar o País, a partir de fevereiro de 2008, em um canteiro de obras maior do que aqueles da época do “milagre” econômico.
Para isso conta com os projetos do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento, que inclui as usinas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO), e Belo Monte no rio Xingu (PA). Esses e outros projetos apontam para um tipo de ocupação e de exploração do território amazônico, com asfaltamento de estradas que cortam porções de altíssima diversidade biológica e inundação de vastas áreas para formação de lagos das hidrelétricas.
Na prática, o PAC e seus antepassados – o Plano Avança Brasil, de Fernando Henrique, por exemplo - ratificam um rebaixado papel histórico para a Amazônia: o de mera provedora de recursos a serem beneficiados em outras regiões do Brasil e de outros países. Uma opção que conecta enormes áreas nacionais com a dinâmica errante dos mercados internacionais, sempre demandante de commodities cuja produção gera o desmatamento que ajuda a alterar o clima.
O PAC, entretanto, não é um fato isolado. Nunca nesse País o poder público pensou a região Amazônica, que corresponde 52% do território brasileiro, de forma diferente da convencional. Até quando o estado constrói uma política pública de enfrentamento a alguns dessas graves problemas, mais cedo ou mais tarde os velhos esquemas degradadores o fazem recuar .
É o caso das vitoriosas incursões do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, que recentemente libertou 1064 trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão na fazenda Pagrisa, no Pará, a maior plantadora de cana de açúcar – aquele tipo de cultivo que Lula garante que não existe na Amazônia.
Desde 1995, Ministério do Trabalho reprimo trabalho escravo com tal sucesso, que o Brasil foi citado positivamente em vários fóruns internacionais de defesa dos direitos humanos. Mas, nem esse reconhecimento resistiu à pressão das velhas oligarquias. Na sexta (21), as ações do Grupo Móvel foram suspensas no Pará, devido à "insegurança sobre as ações desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho", como classificou Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho, reclamando do perigoso clima adverso que se firmou contra seus comandados.
Um dia antes, uma comissão externa do Senado visitou a Pagrisa e declarou-se contrária aos fiscais do trabalho. Conseguiu, assim, inviabilizar novas fiscalizações - na segunda (24), a Justiça federal aceitou o parecer dos fiscais e vai processar os proprietários da Pagrisa.
Esse evento mostra como é frágil o aparato do estado brasileiro para proteger seus cidadãos e seus agentes. Bastou uma mera comissão parlamentar se pronunciar contra as fiscalizações para todo o trabalho de mais de uma década vir abaixo.
Mas, se no âmbito o poder público faltam criatividade e disposição para imaginar alternativas econômicas para a Amazônia, entre pesquisadores amazônicos vem se consolidando nos últimos anos uma proposta de aproveitamento econômico da região que articula o bem estar dos 20 milhões de habitantes com a proteção dos ecossistemas e dos modos de vida das diversas populações.
Aproveitando a disponibilidade de matérias-prímas, eles propõem o desenvolvimento de uma rede cooperativada de empresas de forte base biotecnológica, para agregar valor aos produtos amazônicos. O físico Ennio Candoti, ex-presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, defendeu na 59ª Reunião da SBPC, realizada em julho em Belém, que se multiplique por 10 o número atual de mil pesquisadores de alto nível na região. Ele fala em substituir os gasodutos que se planejam para a região por “cérebrodutos”, uma alegoria que indica a necessidade de se investir em ciência e tecnologia vinculada às características da Amazônia.
Outros pesquisadores, como o sociólogo Luis Novoa, da Universidade de Rondônia, preconizam (em http://www.ibase.br/dvdn/conteudos/viabilidade.htm) que “Fundos de inovação devem ser criados para dar suporte a cadeias tecnoprodutivas em biodiversidade, com agregação gradativa de valor de baixo para cima, a partir da unidades de pesquisa/aplicação/extensão biotecnológicas descentralizadas em cidades em que se possam entrecruzar escolas técnicas, universidades, órgãos públicos, cooperativas, assentamentos e pequenas empresas”.
“ Uma política industrial e tecnológica específica deve ser adotada na Amazônia com critérios de seletividade para pesquisa e desenvolvimento em biofarmácia, indústria alimentícia e cosmética diferenciadas e fontes alternativas de energia. Além disso, redes de serviços em turismo e cultura regional devem ter acesso a crédito especial para sua qualificação e expansão”, diz Novoa.
Há um enorme descompasso entre as visões dos cientistas e dos ambientalistas e a proposta governamental de exploração econômica do território. Enquanto os cientistas buscam adaptar-se à uma lógica de agregação de valores, principalmente o tecnológico, o poder público ainda encarna a ultrapassada visão exploratória e degradadora, incompatível com tempos em que é necessária uma enorme dose de imaginação para enfrentar as mudanças no clima. E, para isso, admitem, inclusive, seguir o script do entusiasmo formal e das bravatas de sempre.

terça-feira, setembro 18, 2007

O fantasma do patriotismo financeiro ronda a globalização

Rui Falcão -
18.9.2007

A retórica liberal, que já fazia água - vítima da teimosia da Política em perturbar a suposta racionalidade do mercado -, ameaça soçobrar de vez oficialmente, quando da reunião de cúpula informal, em outubro, dos chefes de Estado e de Governo da União Européia.

ob a liderança da primeira-ministra conservadora, Ângela Merkel, da Alemanha, e do presidente francês conservador, Nicolas Sarkozy, as autoridades européias irão debater a necessidade de conter a liberdade de movimento de capitais financeiros, em especial os oriundos de fundos soberanos (sovereign-wealth funds), detidos pelos bancos centrais como parte de suas reservas e utilizados como investimento de risco em países estrangeiros. Os líderes europeus atendem à proposta de Bush de também se envolver no debate o FMI e o Banco Mundial.

O fantasma das desnacionalizações, que ronda as economias nacionais, encarnado nos fundos soberanos e põe em risco a segurança e a soberania nacionais, levou os países ricos a deixar de lado a conversa liberal e retirar do baú de suas “velharias” o “patriotismo financeiro”. Desta vez, por iniciativa não individual mas coletiva, depois de a China ter anunciado recentemente o lançamento de seu fundo soberano de US$ 300 bilhões, destinados a investimentos de risco no exterior.

Pelos cálculos da França, esse montante – sem regulamentação alguma, como adverte a Casa Branca – é três vezes maior do que o Plano Marshall, lançado pelos EUA para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial em 1945, que atingiu cerca de US$ 100 bilhões, em valores corrigidos.
Fundos soberanos, uma nova modalidade de investimento, constituem parte das reservas mantidas por bancos centrais, lastreadas até há pouco tempo somente por títulos públicos, em geral do Tesouro norte-americano.

Atualmente, os fundos soberanos – detidos principalmente por países árabes exportadores de petróleo, China, Rússia, Noruega, Singapura e outros – montam a cerca de US$ 3,1 trilhões em ativos sob gestão, volume equivalente ao dobro dos fundos especulativos (hedge funds), que se encontram no epicentro da turbulência financeira global.

Mais do que seu montante atual, o que preocupa o patriotismo financeiro dos arautos do liberalismo é a velocidade de crescimento de tais fundos. Segundo um estudo recente do banco Morgan Stanley, os fundos soberanos deverão atingir US$ 12,5 trilhões em 2015 – um volume assustador, considerando-se que o valor total das ações em oferta nas bolsas de valores alcançam US$ 55 trilhões, e as reservas dos bancos centrais, US$ 13 trilhões.

Esses fundos não são uma inteira novidade: o emirado do Koweït lançou seu fundo soberano em 1960. O fundo soberano de Dubai comprou recentemente 9,5% de MGM Mirage, empresa do bilionário americano Kirk Kerkorian, que controla um terço dos cassinos e metade dos hotéis de Las Vegas, nos EUA. E o fundo do Catar ofereceu US$ 24 bilhões pela rede de supermercados britânica Sainsbury.

Na Rússia, o “fundo das gerações futuras”, como é chamado, de US$ 40 bilhões, constituído de divisas geradas pela exportação de petróleo e gás e administrado por Moscou, será lançado oficialmente em fevereiro de 2008. Mas já começa a incomodar outros países, como o fez a estatal do gás – a Gazprom - ao intentar obter o controle acionário da Centrica, a principal distribuidora de gás na Grã-Bretanha.

Mas, além de seu agigantamento, o que caracteriza a ação desses fundos – e preocupa os países hospedeiros - são as suas virtudes liberais - a desregulamentação, a plena liberdade de movimento, a ausência de controles por parte do Estado-nação hospedeiro, a ausência de publicidade, o segredo e o sigilo, entre outras “vantagens” exaltadas na globalização. Assim é o fundo de pensão gerido pelo governo da Noruega, estimado em US$ 300 bilhões de ativos, presente em 4 mil empresas estrangeiras, raramente acima de 1%, para não despertar atenção.

As investidas da China são as que mais preocupam. Em junho, uma pequena operação - na escala chinesa -, de aquisição por US$ 3 bilhões de 10% do fundo americano de investimento Blackstone - com recursos aplicados em muitas empresas, entre as quais a Deutsche Telekom -, disparou o sinal de alerta.

Durante os dois últimos decênios, período no qual os países ricos do Ocidente arrebentavam as fronteiras nacionais, sob o signo do liberalismo econômico e da liberdade de movimento de capitais, não constava da retórica liberal o risco à soberania nacional implicado na desnacionalização. Tratava-se de conversa de retrógrados, ignorantes da supremacia da racionalidade do mercado sobre as irracionalidades das políticas nacionais, geradoras de “rent seekers”, que se beneficiariam das benesses do Estado intervencionista à custa do agravamento da ineficiência econômica e da perda de competitividade.

Isso acabou. Ante a emergência dos novos banqueiros planetários – China, Rússia, Noruega, países do Golfo Pérsico e outros recém-chegados ao clube – a retórica do patriotismo financeiro está de volta, na reação defensiva pelo fortalecimento do Estado-nação, como instrumento da defesa da soberania nacional e da autonomia na condução de seu próprio destino.

Oficialmente, os EUA, país que lidera historicamente a cruzada pela privatização, saúdam os investimentos oriundos dos fundos soberanos. Mas, na prática, a prática é outra: Depois de ter obstado a compra da petrolífera Chevron pela Cnooc, controlada em 70% pelo Estado chinês, e a aquisição de cinco portos americanos pelo fundo de Dubai, o governo de Bush decidiu no início de 2007 reforçar o papel da comissão encarregada de controlar os investimentos estrangeiros em áreas “sensíveis”.

Quando se tratar de comprador detentor de um fundo em parte ou totalmente controlado por um Estado estrangeiro, a comissão deverá ouvir previamente os secretários do Tesouro e da Segurança Nacional. Da mesma forma, o comissário britânico junto à Comissão Européia, Peter Mandelson, conhecido por defender a posição ultraliberal de seu país referente aos investimentos estrangeiros, evoca agora a necessidade de se criar uma “european golden share” específica para a proteção de empresas que operam em áreas sensíveis.

O receio generalizado nos países ricos do Ocidente é que os fundos soberanos, que aumentaram em US$ 1 trilhão nos últimos doze meses, possam intervir em assuntos de política interna, na orientação e no controle dos investimentos, na apropriação de tecnologias sensíveis e na subordinação da economia nacional a interesses estrangeiros, mediante livre acesso a setores estratégicos, aos mercados e ao mundo corporativo, chamado anacronicamente de ocidental. Fundos que já não têm origem na Suíça ou em países de nome historicamente associado à exportação de capitais, mas que poderão provir também da Venezuela, Cazaquistão, Nigéria, Angola e outros – países que até recentemente rivalizavam na disputa pela atração de capitais estrangeiros.

Como primeira reação defensiva em solo europeu, a primeira-ministra Ângela Merkel advoga o lançamento de um contra-fundo soberano alemão, para impedir que empresas de seu país caiam em mãos de fundos soberanos alienígenas, possivelmente braços seculares de seus gestores, os bancos centrais de além-fronteira.

Por que tais reações? Elas expressam não apenas um reflexo de hostilidade contra a intrusão de atores “exóticos” num clube até agora freqüentado exclusivamente por países ricos. Além dos volumes mobilizados pelos “exóticos”, o que assusta é a mudança na natureza dos investimentos. Até recentemente, os fundos soberanos de países árabes, os mais antigos, contentavam-se com participações minoritárias e passivas. Mas, ao adquirir, juntamente com o fundo soberano de Singapura, uma parte do capital do britânico Barclay’s Bank, o China Development Bank conquistou uma cadeira no conselho de administração, chamando atenção para o risco político resultante de tais incursões, implicado numa combinação - de extensão inédita na modernidade - entre controle estatal, ausência de transparência e sigilo, potencialmente capaz de desestabilizações arrasadoras.

“O que mais interessa a esses fundos?” – pergunta-se o semanário Economist, de indiscutível orientação liberal: “retorno econômico, objetivos políticos, controle sobre recursos estratégicos? Difícil dizê-lo” . É na emergência desse novo contexto – de desabalada incursão de bancos estatais em mercados de risco estrangeiros e de correlata reação defensiva por parte dos contra-fundos soberanos – que se vêem dissipar-se os últimos vestígios da fantasia liberal.

Trata-se agora de retirar as lições, ou reiterar o que já se denunciava quando do surgimento da mitologia da globalização. Em especial, a idéia de que estaríamos todos submetidos à ação e à sanção de forças econômicas globais incontroláveis, às quais teriam de dobrar-se, em gesto de rendição, as políticas nacionais, rotuladas como retrógradas e ineficazes.

Se ainda é necessário repeti-la, a verdade é que a economia não se move mecanicamente - por força do suposto automatismo do mercado, dotado de suposta racionalidade intrínseca -, mas obedece a decisões de natureza política, que requerem do Estado-nação iniciativas capazes de definir e implementar uma estratégia nacional.

Rui Falcão, 63 anos, advogado e jornalista, é deputado estadual pelo PT. Foi deputado federal, presidente do PT e secretário do Governo da prefeita Marta Suplicy. (Originalmente publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=73782&a=112)

segunda-feira, setembro 17, 2007

O BRASIL EM CRISE DE IDENTIDADE

Índices econômicos, sozinhos, não retratam as nuances do desenvolvimento de uma nação. É o caso dos surpreendentes números de crescimento do PIB, divulgados nesta quarta (12 de setembro) pelo IBGE. Índices, é bom lembrar, são, apenas, um bom começo para entendermos porque um país – o Brasil, por exemplo – é desta ou daquela forma, e quais as alternativas que se colocam para ele.

Feita a ressalva, é bom observar a pesquisa “Especialização do Brasil no mapa das exportações mundiais”, publicada no boletim Visão do Desenvolvimento, editado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ali estão algumas das razões da nossa crise de identidade, da encruzilhada em que se encontra o Brasil, um País que bate sucessivos recordes de produção e, ainda assim, tem uma das piores distribuições de renda do planeta.

O estudo mostra que nos últimos 20 anos os países com maior especialização em setores intensivos em tecnologia foram os que alcançaram maiores taxas de crescimento econômico, enquanto “os especializados em recursos naturais [caso do Brasil] tiveram pior desempenho, apesar da recente importação chinesa de commodities”. observa o texto do “Visão”, assinado por Fernando Puga, economista do Banco.

Mesmo que o Brasil se diferencie das demais nações de seu grupo “por agregar simultaneamente vantagens em termos de pesquisa científica na produção de alimentos, desenvolvimento de tecnologia de exploração de petróleo e elevada eficiência na logística de exploração mineral”, o Brasil não foi capaz de traduzir a a massiva exportação de natureza em ganhos econômicos.

As estratégias econômicas que o País adotou nas últimas décadas - quando vicejaram os conceitos de abertura comercial e desregulamentação financeira, associadas à exploração intensiva de natureza - trouxeram poucos benefícios sociais para o Brasil. Temos exportado minério, grãos, madeiras, álcool, papel e celulose e produtos de minerais não-metálicos em crescentes quantidades, sem que isso se traduzisse em bem estar para a maioria da sociedade.

A pesquisa publicada pelo BNDES confronta o Brasil com 156 nações e compara a participação de um setor na pauta exportadora de um país com a participação desse mesmo setor nas exportações mundiais. Mostra que a ênfase no apoio e na exploração de determinados setores indica o grau de evolução de uma economia. Quanto mais evoluída, mais tímida deve ser a exploração de recursos naturais.

Nada garante, porém, que a mera opção por outro perfil de exportações alterasse o nosso modelo de desenvolvimento. Afinal, o que realmente define o grau de desenvolvimento de uma Nação é a adoção de estratégias várias, inclusive econômicas, para desconcentrar renda, ampliar direitos e aprofundar o exercício da democracia, além da agregação do máximo valor científico e tecnológico à produção.

Foi exatamente que fizeram os EUA, o México (citado somente por conta das exportações “maquiladas” do Nafta), Centro e Norte da Europa e o sudeste da Ásia, regiões que se especializaram em um tipo de exportação que proporcionou as maiores taxas de crescimento nas últimas duas décadas.

Eles incentivaram os setores intensivos em tecnologia diferenciada e baseada em ciência (máquinas e equipamentos, máquinas de escritório e informática, aparelhos elétricos, material eletrônico e comunicações, instrumentos médicos e óticos, aviação/ferroviário/embarcações e motos), maior será a sua probabilidade de crescimento econômico.

O Brasil ficou numa posição intermediária em todos os quatro grupos de setores produtivos pesquisados: os baseados na exportação de recursos naturais, na exportação de produtos intensivos em trabalho, nos intensivos em escala e nos diferenciados e baseados em ciência – outra evidência de nossa crise de identidade.

Resolvê-la é a tarefa da sociedade, mas isso exige coragem. Coragem do tipo que os senadores não tiveram ontem, quando se associaram à renan Calheiros. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=73338&a=112)

sábado, setembro 01, 2007

RECORDES DO ATRASO

Símbolo do capitalismo, da queima de combustíveis que polui o ar e do individualismo, o automóvel é indicador da falta de consciência ambiental e do tipo de desenvolvimento que um país adota. Quanto maior o número de automóveis produzidos, mais recursos naturais são consumidos – eletricidade, aço, petróleo etc – e mais combustível fóssil é queimado.

Ou, seja, estamos mal, porque a produção de automóveis no Brasil não pára de bater recordes.

Segundo a Anfavea – a associação dos grandes fabricantes de veículos –, a produção conjunta de seus afiliados alcançou, em julho, 268 mil unidades e, no ano, 1,652 milhão de veículos, com expansão recorde de 8,4%. O licenciamento de veículos em julho (217,4 mil) é também recorde. No ano, 1,3 milhões de licenciamentos, 26,6% a mais.

Além dos fabricantes de automóveis, outros agentes econômicos também devem ter soltado foguetes para comemorar a quebra dos recordes. Por exemplo, o governo, que tem na indústria automotiva uma enorme fonte de impostos, e a imprensa, que ganha rios de dinheiro com o anúncios de novos e velozes carros.

Assim, é o caso de perguntar: o aumento na produção de veículos é, em si, realmente uma boa notícia? O conjunto da sociedade ganhou com o despejo de tantos novos automóveis ao meio das ruas?

A engenheira química Sônia Hess, professora da Universidade Federal do Mato do Sul, é uma das que acham que tais recordes são sinal de atraso. Sônia, que tem dois pós-doutorados na sua área, integra um grupo de pesquisadores que vem alertando para os danos invisíveis do surto econômico sul-mato-grossense. Ela chama a atenção para o caso da produção de aço em seu estado, que majoritariamente se destina à produção automotiva, denunciado a relação entre o consumo de recursos naturais para produção do aço, o “sucesso” da indústria automobilística e o papel do governo brasileiro nessa tragédia do desmatamento, mostrando que o tipo de crescimento viabilizado econômica e politicamente pelo Estado é a mãe da maioria das tragédias nacionais.

“Todos os dias, são derrubadas mais de 120.000 árvores da floresta amazônica para sustentar os fornos do pólo siderúrgico de Carajás, situado no sul do estado do Para. Por isso, aquela região é conhecida como o Arco do Desmatamento da Amazônia, que inclui também o sul do estado do Maranhão, e onde está ocorrendo a maior devastação da floresta amazônica”, escreveu Sônia no jornal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 7 de agosto.

“O governo brasileiro instalou, naquela região, mais de 200 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra, que têm como única opção de sobrevivência a prática do desmatamento para fornecer carvão para as industrias siderúrgicas de Carajás, lideradas pela companhia Vale do Rio Doce. Em Mato Grosso do Sul, as siderúrgicas instaladas nos municípios de Corumbá (MMX), Campo Grande (Sideruna), Ribas do Rio Pardo (Vetorial) e Aquidauana consomem mais de 3 mil toneladas de arvores na forma de carvão diariamente, causando a rápida destruição das matas nativas do Cerrado e do Pantanal”, denuncia Sônia, lembrando que Europa e os EUA compram 22% do aço brasileiro.

A sociedade brasileira precisa começar a solucionar o tipo de problema observado pela professora. Principalmente agora que está se consolidando um novo ciclo de crescimento econômico que aprofunda, como nunca antes, a utilização de recursos naturais e de mão de obra não qualificada para atender ao mercado externo.

O exemplo mais típico desse ciclo – que tem a sua base na superexportação de mercadorias com baixo valor agregado - é a febre no mercado do etanol, que a cada dia anuncia mais uma batelada de enormes negócios. E, como sempre, tendo o Estado como incentivador e financiador. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=71748 )