quinta-feira, agosto 31, 2006

DENÚNCIA CONTRA O BRASIL RACISTA

O Brasil nunca foi um país racista e prova disso é que algumas das maiores autoridades da República, incluindo as forças armadas, e de empresas privadas são negras, certo?

Claro que não e todos os dias atos de racismo ficam impunes e desconhecidos. Mas, parece que isso não acontecerá no caso de discriminação sofrida em 4 de agosto, em Fortaleza, pelo pedadogo Paulo Roberto de Souza Silva, como relata a Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (Adital, http://www.adital.com.br), também sediada na capital do Ceará.

"CASO PROVOCA PROTESTO CONTRA O RACISMO

Por Rogéria Araujo

Adital - Representantes de diversos movimentos sociais realizarão, no próximo sábado, 02 de setembro, um ato de protesto em frente a um dos supermercados Extra, em Fortaleza, Estado do Ceará. A mobilização tem como motivo a atitude racista tomada por funcionários do estabelecimento contra o pedagogo Paulo Roberto de Sousa Silva, no último dia 04 de agosto. Várias outras iniciativas foram tomadas para chamar a atenção para o problema.

No início do mês, Silva, acompanhado de sua companheira, fazia compras no supermercado Extra, do bairro Montese, quando, no momento do pagamento, o comprovante da autorização da compra apresentou dígitos diferentes do cartão de crédito portado pelo pedagogo. De acordo com ele, sem chances de esclarecimentos, o casal foi abordado por policiais e levado para uma delegacia. Na delegacia, nada foi provado contra eles. Para ele, este tipo de procedimento não seria igual se os clientes em questão fossem brancos.

"Fomos procurados pelo setor de relacionamento com os clientes do Grupo Pão de Açúcar, ao qual o Extra Supermercados pertence e nos reunimos no dia 18 de agosto, acompanhados dos advogados de ambas as partes, e, após relatar os fatos, o que tínhamos feito e o que pretendíamos fazer, indagados sobre como o Grupo Pão de Açúcar poderia se retratar, propomos indenização, retração pública e financiamento de campanha anti-racismo", esclarece Silva. Até o momento, a rede de supermercados ainda não se posicionou sobre as propostas.

Até hoje, cerca de 500 mensagens de apoio foram encaminhadas para Silva. A organização não governamental Brasil Centro de Direitos Humanos e Cidadania denunciou o fato à Comissão de Direitos Humanos e à Subcomissão de Igualdade e Inclusão do Senado Federal e à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O deputado federal João Alfredo também encaminhou denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e à Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, da Presidência da República."

NEI LOPES CONTRA O HIP HOP

Não é a primeira vez que mestre Nei Lopes, um dos maiores pesquisadores da brasilidade, investe sua verve de poeta e militante do samba bom verdade contra a moda do hip hop. No texto abaixo, publicado originariamente no Meu Lote, blog oficialíssimo do mestre (http:neilopes.blogger.com.br), o autor de Senhora Liberdade (com Wilson Moreira) tasca: “o protesto negro na música sempre foi um apanágio da canção brasileira mais legítima, desde Lata d'água na Cabeça, Pedreiro Valdemar, João do Vale, Gordurinha, Aluísio Machado - sambista só conhecido pelos seus sambas-enredo mas que entretanto foi um dos "malditos" da ditadura de 64 - até o atualíssimo Trio Calafrio, para só citar alguns exemplos. Mas esse protesto, hoje, só é aceito como tal, e não como galhofa, quando tem a forma do protesto made in Bronx, Harlem etc. Aí, é moderno, é "tendência".

O PROTESTO NEGRO E A INDÚSTRIA DO ENTRENIMENTO

Por Nei Lopes

A revista Cult, publicação de "alta Cultura" editada há nove anos na capital de São Paulo, publica em sua edição de agosto, nº 105, uma longa entrevista com o grande compositor e cantor Caetano Veloso.

A certa altura da conversa, o admirável artista aborda a momentosa questão afro-brasileira, relatando uma discussão que tivera, a respeito, com o rapper MV Bill, nestes termos: "...eu queria fazê-lo ver que ele precisava levar em conta que grande parte do que é, não só movimento de consciência da questão racial, como o movimento específico do hip hop, ao qual ele se filiou, tem muito do desejo brasileiro, exposto em várias áreas, de ansiosamente imitar os americanos. E, de certa forma, com isso, se reafirmava uma humilhação dos brasileiros perante os americanos, o que não difere da humilhação dos negros perante os brancos".

Pelo que entendemos, o grande Caetano Veloso, que se manifestou recentemente contra a chamada "política de cotas", também acha que a pauta de reivindicações dos negros brasileiros obedece a um modismo africano-americano.

Mas ele, que é também uma espécie de "padrinho" de algumas instituições que praticam o que chamamos de "cidadania hip hop", e que conhece muito mais do que nós os meandros da indústria fonográfica transnacional, por onde transitam com desenvoltura importantes personagens como Nelson Motta e André Midani, é claro que não desconhece uma outra verdade cristalina.

Essa verdade é que o protesto negro na música sempre foi um apanágio da canção brasileira mais legítima, desde Lata d'água na Cabeça, Pedreiro Valdemar, João do Vale, Gordurinha, Aluísio Machado - sambista só conhecido pelos seus sambas-enredo mas que entretanto foi um dos "malditos" da ditadura de 64 - até o atualíssimo Trio Calafrio, para só citar alguns exemplos. Mas esse protesto, hoje, só é aceito como tal, e não como galhofa, quando tem a forma do protesto made in Bronx, Harlem etc. Aí, é moderno, é "tendência". Fora disso, porque, inteligentemente, usa o riso para fustigar os costumes, é apenas graça.

E falamos de cadeira, desde os nossos sambas, com Wilson Moreira, Senhora Liberdade e Coisa da Antiga, que já no final da década de 70, tiveram letras forçosamente modificadas; do partido-alto Pega no Pilão, no festival da Globo de 1980; dos nossos LPs, agora CDs, Negro Mesmo e Canto Banto, respectivamente de 1983 e 1985. O conteúdo de todo esse conjunto de obra expressa nossa posição diante da questão negra. Mas a forma que preferimos é a do samba. Então, as majors sempre descartaram esse nosso lado, preferindo, na hora de escolher os frutos no nosso tabuleiro, aqueles da "galhofa" ou do lirismo individualista, tipo "este amor me envenena".

Daí, então, a conclusão que tiramos da afirmação de Caetano Veloso: Enquanto o protesto negro, mesmo de dread-locks, tênis Nike e uniforme de beisebol, se restringiu à música, ele foi bem vindo e bem aceito, porque era pop. Mas quando ele transcendeu o entretenimento e passou à esfera legislativa, reivindicando inclusive, de terno e gravata, um Estatuto de Igualdade Racial, aí ele passou a ser "imitação de negro americano" e ameaça à "cordialidade que sempre reinou, entre brancos e negros, neste país sem racismo".

Ora, ora... a "cordialidade" já desceu o morro está na rua, brothers! E exatamente pra buscar aquele Nike, aquelas roupas de marca, aquele carrão, que a música da esfera pop prometeu. E usando aquelas técnicas e instrumentos que os filmes de tela-quente e temperatura máxima, coadjuvados pelos games de mortal combate, ensinaram a usar.

Isso, sim, é que é imitar americano!"

quarta-feira, agosto 30, 2006

MERCOSUL PARA CONSUMO EXTERNO

Na próxima sexta-feira (1), às 14horas e 15 minutos, quando deram entrevista coletiva no Rio de Janeiro, os ministros das áreas financeira e econômica dos países membros e dos Estados associados ao Mercosul dirão que, após uma manhã inteira de trabalho no belo Palácio Itamaraty, centro da cidade, chegaram a um acordo sobre a pauta que discutira na parte da manhã: cooperação no comércio regional com moedas locais, balanço comercial dentro do Mercosul e países associados, fluxos atuais e desafios do comércio intra-bloco e atuação dos países do Mercosul e países associados em organismos multilaterais.

Mas, essa aparente convergência será apenas para dar uma satisfação ao público externo. Dificilmente Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, membros plenos do bloco, e Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru, associados, chegarão a um consenso sobre temas que são uma fixação para Caracas e Buenos Aires: a criação do Banco do Sul e a atuação coordenada na reunião conjunta que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial realizam em setembro, em Cingapura.

Guido Mantega, do Brasil, não é simpático à idéia do banco e prefere centrar a atuação no aumento do peso do Brasil no sistema de decisão do FMI – que, assim como o Banco Mundial – busca uma nova função e, para isso, aceita dar mais poder a aliados dos EUA – que controlam ambas organizações.

México, China, Coréia do Sul e Turquia saíram na frente, em sua luta por aumentar o poder no FMI e ter mais cotas no processo de decisão do Fundo. O Brasil, como se vê, está fora do círculo íntimo dos amigos de Washington e não deve conseguir que seu peso cresça.

No front interno da América do Sul, a estratégia brasileira, de crescer de tamanho no FMI, deve sofrer um abalo, devido à aproximação da Venezuela da China – que também crescerá no Fundo.

Hugo Chávez conseguiu recentemente duplicar as vendas de petróleo venezuelano a Pequim e, em troca, recebeu dos chineses a promessa de apoiar Caracas em seu pleito de integrar o Conselho de Segurança da ONU, na condição de membro rotativo.

Mas, os perdedores desta rodada de aumento de poder no FMI não devem desistir. Está prevista nova revisão dos pesos dos países em 2008, quando a demanda do Brasil deve novamente ser analisada.

Isto é, se até lá continuar a valer a pena de participar de uma organização que vem perdendo importância.

segunda-feira, agosto 14, 2006

A INVASÃO DO LÍBANO FOI PLANEJADA

O sequestro de dois soldados israelenses pelo Hesbolá não passou de pretexto para o ataque de Israel ao Líbano. A denúncia está na edição mais recente da revista The New Yorker e foi feita pelo repórter Seymour Hersh, o mesmo que há dois anos revelou, também naquela publicação, das torturas na prisão de Abu Graibh.

Segundo Hersh, “Nos dias após o Hezbolá ter saído do Líbano em direção à Israel, em 12 de julho, para sequestrar dois soldados, incitando um ataque aéreo de Israel ao Líbano e uma guerra total, a administração Bush estranhamente parecia passivo“.

“A administração Bush, entretanto, estava intimamente envolvida no planejamento dos ataques retaliatórios de Israel”, afirma Hersh, para mais adiante detonar a estratégia de guerra de Washingtonm para a região: “o presidente Bush e o vice-presidente Dick Cheney estava convencidos (..) que uma bem-sucedida campanha de bombardeio da Força Aérea Israelense contra os complexos subterrâneos de misseis e comando e controle do Hesbolá no Líbano acalmariam as preocupações de Israel com segurança e também seriam como prelúdio a um ataque Americano preventivo para destruir as instalações nucleares do Irã, algumas das quais estão enterradas bem fundo”.

A matéria completa pode ser lida em http://www.newyorker.com/fact/content/articles/060821fa_fact .

É.

Alguém já disse que a história se repete sempre como farsa...

ALIÁS...

Se vocês quiserem ver uma defesa qualificada, apesar de controversa, do Hesbolá, em conjunto com uma crítica frontal à Inglaterra e Israel, acessem http://www.youtube.com/watch?v=9Wdwk1dp-uU .

No vídeo, o ex-deputado do Partido Trabalhista inglês, George Galloway, bate boca com uma apresentadora da Sky News (de propriedade do megamagnata australiano das comunicações, Rupert Murdoch) e lembra que, para analisar a invasão atual do Líbano, é necessário recordar um processo de pelo menos uma década.

Galloway, que foi expulso do Partido Trabalhista, já foi acusado de ser muito próximo de Sadam Husseim. Processou o jornal que publicou essa afiormação e ainda ganhou 150 mil euros de indenização. Ao contrário dos políticos de qualquer quadrante, não tem papas na língua.

sábado, agosto 12, 2006

A PUJANÇA DO TANTINHO

Tamanho não é documento mesmo. Por exemplo, alguém daria alguma coisa por um sujeito que se chama Tantinho? Mas, se não dá, está na hora de prestar atenção ao homem, baixinho por natureza. Chega ao mercado agora uma das melhores coleções de sambas da Estação Primeira, editados pelo compositor Tantinho da Mangueira - como anuncia o blog do mestre Nei Lopes (www.neilopes.blogger.com.br), do qual este outraglobalizacao.blogspot.com é fã de carteirinha. Segue aí o texto do Nei sobre o Tantinho da verde e rosa.

“TANTINHO E A "PUJANÇA DA NATURA"

Em 1955, no desfile da Presidente Vargas, a Estação Primeira cantava a Natureza, num belo e clássico samba, do sorridente Nelson Sargento em parceria com seu padrasto Alfredo Português e u'a maõzinha do Jamelão; samba esse que a certa altura dizia assim: "Outono, estação singela e pura/ é a pujança da Natura/ dando frutos em profusão...".

Mais de cinqüenta anos depois, chega às boas livrarias, charutarias e cafés elegantes (às lojas de discos "é ruim" chegar) o maravilhoso cântico à verde-rosa - essa árvore frondosa cujos frutos todos são aproveitados; esse jequitibá do samba - organizado pelo grande cantor, compositor e improvisador Tantinho da Mangueira.

Trata-se de um CD duplo com 32 faixas garimpadas entre mais de cento e tantos sambas por essa figura ímpar que é o meu amigo Devanir Ferreira (seu nome no babilaque), que não esperou o devenir e foi fazendo, por sua conta.

Conta a lenda que Tantinho, ele mesmo, fez um panelão de angu à baiana e sentou embaixo do viaduto da Mangueira com um gravador. Aí, a cada um que entrava na fila pro rango, ele exigia 1 kg de sambas não-perecíveis, alimento da alma. E aí armou essa espécie de bolsa-família ao contrário - porque, no caso, os beneficiados somos nós, seu grande público.

Fisicamente, Tantinho é uma versão compactada do Wilson Moreira (se fosse um soul brother, rapper ou hip-hopper, seu nome artístico poderia ser Compact Wilson). E a semelhança se estende também ao talento, ao caráter, à doçura - qualidades moldadas "na braba", na favela, na escola da malandragem mas também na escola profissionalizante, onde desenvolveu o espírito nato e a criatividade de artífice, artesão e produtor de cultura.

"Tantinho, Memória em Verde e Rosa" é uma compilação que já nasce antológica. De 32 sambas que representam o puro suco do terreiro da Manga. Frutos perfumados, com a pujança do patrocínio da Natura, a dos cosméticos, a qual, graças à Lei Rouanet bancou o sonho ousado do neguinho do velho bloco Olha Essa Língua, rival do Chuca-Chuca, brabeza do Esqueleto. Que é compositor desde sempre e não "bissexto" como disse um repórter. "Bissexto" como? Nos CDs, Tantinho assina 5 faixas, com ou sem parceiros. E cria versos para sambas só de primeira. Como tem criado sempre. Com ou sem a pujança da Natura.”

quarta-feira, agosto 09, 2006

GRATZ BATEU ASAS PARA O RIO

Lembram-se do José Carlos Gratz, aquele ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo cuja destituição foi uma vitória da sociedade capixaba na luta contra a corrupção institucional no Estado?

Ele ainda sofre uma penca de acusações, que variam de corrupção à compra de sentenças judiciais, mas foi solto na noite desta terça (8).

Gratz fora preso na sexta (4), no Rio de Janeiro, por agentes da seção fluminense da Polícia Federal e depois transferido para Vitória. O habeas corpus partiu, na segunda (7) do desembargador André Fontes, da 2ª Região do Tribunal Regional Federal, que já emitira a ordem de prisão cautelar na sexta passada.

Com Gratz, também bateu asas o ex-diretor do Legislativo capixaba, André Luiz Cruz Nogueira.

Por exigência de Fontes, Gratz se comprometeu a fixar residência no município do Rio de Janeiro (como se já não bastassem os problemas que os cariocas têm com a violência e a corrupção). Nogueira pode permanecer no Espírito Santo. Assim, avalia o desembargador, evita-se que ambos conversem entre si, constranjam testemunhas e interfiram na condução dos processos a que estão submetidos.

Além desse argumento – questionável, porque desde 1876 um tal de Graham Bell inventou o telefone, aparelho que hoje permite a Gratz e Nogueira conversarem com quem quiserem, em qualquer parte do planeta –, o desembargador Fontes também aceitou outras excusas utilizadas por bandidos de todos os quadrantes, naipes e escalas.

“O ex-parlamentar é portador de uma doença grave, cujo tratamento não seria possível na prisão. Já André Nogueira comprovou no processo que tem um filho portador de necessidades especiais, sofrendo muito com a ausência paterna.”, diz a assessoria do TRF.

Quem não gostou nada da decisão foi o Ministério Público. A prisão de ambos havia sido pedida pelo MP Federal.

Nesta quarta, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, voa de Brasília para Vitória. Junto com a procuradora-chefe substituta da Procuradoria da República no Espírito Santo, Elisandra de Oliveira Olímpio, vai soltar os cachorros sobre a decisão judicial, em entrevista coletiva marcada para as 16 horas (péssimo horário para os jornalistas repercutirem a coletiva).

Segundo a ANPR, eles vão “refutar as afirmações do advogado Rodrigo de Paula de que o juiz Macário Ramos Neto [que conduz os processos contra Gratz] estaria sendo vítima de perseguição do Ministério Público”.

sábado, agosto 05, 2006

BLACKHAWKS PARA UM AMIGO DO PEITO

Chegou à base área de Manaus nesta segunda (7) a primeira unidade de um lote de 10 helicópteros BlackHawk adquiridos pelo Exército e pela FAB a empresas dos EUA - a Sikorsky Aircraft (do estado de Connecticut) e a General Electric (Massachusetts). O Brasil está pagando 250 milhões de dólares pelos helicópteros e tem opção de compra de mais quatro aeronaves do mesmo tipo.

Até aí, nada de mais. O País necessita mesmo reequipar as forças armadas e os BlackHawks são belas máquinas de guerra, dizem militares brasileiros.

O que chama a atenção neste negócio são as razões dos EUA para autorizar a venda, que começou a ser negociada há quase 10 anos. Washington restringe severamente a venda externa de material militar e o faz apenas quando elimina qualquer possibilidade de o comprador contrariar sua estratégia de hegemonia mundial. Agora e no futuro. Só o faz quando o interessado em adquirir os equipamentos é um reconhecido amigo do peito.

A venda dos Blackhawks ao Brasil recebeu um inequívoco atestado ideológico. E é estranho que tenha sido dado a um governo regido pelo PT - um partido de esquerda que, liderando um governo, deveria despertar alguma desconfiança do ultradireitista governo de Bush.

“Esta venda contribuiria para a política externa e a segurança nacional dos Estados Unidos, porque melhora a segurança de um país amigo, que tem sido, e continuará a ser [grifo meu], uma importante força para a estabilidade política e o progresso econômico da América do Sul”, diz o texto é da agência de cooperação em segurança e defesa, uma instância do governo dos EUA que avalia os pedidos de compra de material sensível e encaminha seu parecer ao Congresso estadunidense.

O texto completo do release que anunciada a venda está em http://www.dsca.mil/PressReleases/36-b/2004/brazil_04-16.pdf. Foi divulgado em 7 de setembro de 2004 (Dia da Independência do Brasil e segundo ano do governo Lula) e deu a base jurídica à exportação dos Blachawks, que entrou na categoria das grandes vendas. Sem uma avaliação positiva dessa agência, nenhuma compra de equipamento bélico dos EUA, por parte de um outro país, vai adiante.

Recentemente, os EUA pressionaram a Embraer a suspender a venda de aviões à Venezuela e fez o mesmo com empresas espanholas.

Os BlackHawks já foram utilizados pela FAB em operações simuladas em pelo menos uma oportunidade. Foi em 2000, quando a Força Aérea dos EUA treinou os brasileiros em Mato Grosso do Sul durante a Operação Anjo Patriota.

É certo que o exercício da Presidência do Brasil exige uma postura de equilíbrio e pragmatismo nas relações internacionais.

Mas, bem que o governo Lula poderia ter educadamente rejeitado tantos rapapés de um país que, quando convém, despreza até a ONU em nome do seu projeto imperial.

quinta-feira, agosto 03, 2006

DOHA NÃO MORREU

A Rodada de Doha ainda não deu seus últimos suspiros.

Enquanto aguarda a decisão do Congresso estadunidense sobre o fast track , o que deve acontecer até dezembro, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, continua a dialogar com o Washington para baixar tarifas de lado a lado. É provável que faça o mesmo com a União Européia.

Amorim é daqueles diplomatas formados na velha escola do multilateralismo - e põe sua alma nisso. Avalia que não há como deixar o mundo atual sem regras claras para o comércio, definidas por um órgão com participação igualitá - no caso, a Organização Mundial do Comércio.

Nisso, o ministro tem razão - e aqui não entro no mérito dos acordos que vêm sendo costurados pelo Brasil, por dentro e/ou por fora do G-20.

Aí está o caso da invasão do Líbano por Israel. Enquanto os países do Conselho de Segurança sequer chegam a um acordo sobre o repúdio a Tel Aviv, o massacre de civis continua.

Apenas os EUA e a União Européia, além de Israel, Líbano e, eventualmente, Palestina, teriam algum nível de ingerência sobre os rumos da agressão.

A ONU, que deveria ser a guardiã da paz, vem sendo solenemente desconsiderada.

quarta-feira, agosto 02, 2006

UM DUELO NA AMAZÔNIA

A Amazônia é cenário de uma disputa que envolve dezenas de bilhões de dólares, duas das maiores estatais brasileiras e a uma dupla de empreiteiras que há décadas empresta seus nomes a grandes obras e algumas denúncias muito mal explicadas. Nem de longe se sabe quem sairá vencedor, mas o derrotado já foi escolhido: regiões inteiras consideradas pelo Ministério do Meio Ambiente como prioritárias à conservação da diversidade biológica.

Furnas, que nunca instalou usinas no norte, alia-se à Odebrecht e pressiona pela construção de duas megahidrelétricas (Jirau e Santo Antônio, com capacidade total de 6450MW) no rio Madeira (RO), enquanto a Eletronorte mantém um casamento de décadas com a Camargo Corrêa para instalar no rio Xingu (PA) a usina Belo Monte, gigante de 11 mil MW (capacidade média de 5 mil MW) que foi reestruturado para disfarçar o antigo nome, Kararaô, que tanta rejeição angariou na década de 1980, quando sua construção, no projeto antigo, alagaria terras indígenas.

Hoje, as hidrelétricas do Madeira inviabilizam a do Xingu e vice-versa. Em uma economia de crescimento baixo e taxa de crescimento populacional decrescente, não há garantia de mercado para comprar tanta energia. Além disso, pesquisadores levantam a possibilidade de ambos os projetos serem, em verdade, inúteis.

Em relação às usinas que a dupla Furnas&Odebrecht projeta para o Madeira, há o risco de elas fornecerem energia que induziriam ao desmatamento de toda porção ocidental da Amazônia brasileira, que seria ocupada por pólos agroindustriais que exigiriam a ocupação de 30 milhões de hectares de floresta com plantações de soja, de outros grãos com colocação no mercado internacional e gado.

Tudo para exportação.

Quase nada para ser consumido no Brasil.

Abaixo, você terá um dossiê sobre os interesses às vezes claros, às vezes menos evidentes, dos interesses que envolvem os projetos do rio Madeira, de um lado, e do Xingu, no campo oposto.

DINHEIRO É O QUE NÃO FALTA

Para completar o imbróglio, o Bndes quer colocar seu fabuloso orçamento de mais de 30 bilhões de dólares para viabilizar pelo menos uma das obras – o que excita empreiteiras que não têm mais grandes obras para tocar atualmente no País, ao contrário da época de ouro do Brasil potência, quando a ditadura garantia os projetos mais faraônicos.

Hoje, mal importa sequer se o quase apagão de 2001 obrigou a redução drástica do consumo a níveis de anos atrás. Antes, para cada ponto percentual que o PIB crescia, a demanda por energia elétrica crescia 1,5. Segundo o Plano Decenal da Empresa de Planejamento Energético, depois do racionamento que não aconteceu caiu para 1,45 em 2005, pode desabar para 1,9 em 2010 (aproximando-se do comportamento nos países enriquecidos) e voltando a 1,31 a partir de 2015.

De toda forma, aumento do PIB , se acontecer, não exigirá tanta energia quanto antes. O que há, de fato, é uma enorme sombra de dúvidas sobre qual será o comportamento do mercado daqui para frente.

Mas, no fundo, o que importa para Furnas, Eletronorte e, é claro!, as empreiteiras, é que as usinas do Madeira estão orçadas em 20 bilhões de reais (fora as linhas de transmissão, que engoliriam outros 11bi) e Belo Monte não sairia por menos de 12 bi, considerando a transmissão. O importante é, para quem toma o empréstimo, a disponibilização do dinheiro. E, para quem desembolsa, a taxa de retorno pelo empréstimo.

Mais, ainda: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) também disponibiliza recursos para Santo Antônio e Jirau, por que ambas integram algo ainda maior – e bem nebuloso: a IIRSA, a Iniciativa de Integração da Infraestrutura da Região Sulamericana, coordenada pelo Banco e que planeja ratificar o papel histórico da América do Sul, de plataforma de exportação de mercadorias agrícolas as isso ainda será objeto de outra matéria no htt://outraglobalizacao.blogspot.com .

No meio desse campo, pouco importando para quem apanha o dinheiro ou para quem o disponibiliza, ficam o Brasil, sem recursos para outras áreas importantes, e o meio ambiente e a população das regiões afetadas.

Tanto as usinas Santo Antônio e Jirau, no Madeira, quanto belo Monte, no Xingu, são antigos projetos da Eletrobrás, do tempo em que a União monopolizava a geração de energia e quando quatro estatais “fatiavam” o Brasil entre seus “territórios” exclusivos de produção e transmissão de energia. Furnas era encarregada do sudeste e centro-oeste, a Eletrosul, da região sul, a Eletronorte, da região Norte (ainda que sua sede não fica-se lá e, sim, em Brasília) e a Chesf se responsabilizava por atender ao Nordeste, principalmente construindo usinas no rio São Francisco.

Por uma espécie de acordo de cavalheiros, todas trabalhavam em níveis médios de cooperação e uma não “invadia” a área da outra. Nesse ambiente de repartição de benefícios entre os mesmos grupos, cada uma tinha suas empreiteiras preferidas e ninguém questionava as regras do jogo, porque o erário sempre foi pródigo em atender a todos. Mas, o desmonte e a privatização parcial o setor durante os anos FHC introduziram à guerra de grupos mercadológicos. Agora, não há mais cooperação, mas a tal da competitividade.

OMISSÕES DE FURNAS&ODEBRECHT

Na semana passada, o Ibama divulgou mais uma avaliação da versão preliminar do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a construção de Santo Antônio e Jirau, que Furnas e Odebrecht apresentaram em julho de 2005. Sempre criticado pelo lobby da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib), que atribui ao sistema brasileiro de licenciamento ambiental o atraso de grandes obras, o Ibama foi taxativo: “O Ibama não está atrasando o licenciamento do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira”, afirmou o órgão em suapágina na internet.

De acordo com o Instituto, as falhas do EIA são graves e importantes e podem comprometer a realização do leilão de concessão das usinas, previsto anteriormente para acontecer ainda em 2006. “Uma delas se refere à dinâmica de sedimentos do rio Madeira, que varia devido a velocidade das águas, o que poderia vir a comprometer a vida útil do reservatório. Falta o empreendedor explicitar a parcela de sedimentos que não sairá do reservatório, bem como problemas derivados dentro dos reservatórios, a montante e jusante”.

Em outras palavras, Furnas e Odebrecht não deram informação básica, que pode até comprometer a viabilidade do empreendimento: o represamento do Madeira, o segundo maior rio da bacia amazônica, significará o acúmulo de sedimento nos reservatórios em níveis que podem comprometer as usinas? Essa é uma questão chave porque, segundo o Ibama, “o rio Madeira é o maior rio em volume de sedimentos carreados do Brasil e o terceiro maior do planeta”.

Outra omissão gravíssima do EIA de Furnas&Odebrecht, apontada pelo Ibama: “Outra complementação importante se refere às atividades de garimpo de ouro existentes na região no passado. O mercúrio usado para a extração do metal precioso se encontra no rio e é preciso hoje aprofundar melhor o estudo sobre esse material existente no fundo do rio para que ele não volte à cadeia alimentar de peixes e outros animais, que são fonte de subsistência da população local”.

Traduzindo: qual o efeito do represamento sobre o mercúrio acumulado no Madeira em anos de garimpos legais e ilegais que utilizavam o metal na extração do ouro? Caso o assunto não seja adequadamente resolvido, o mercúrio depositado no leito pode ser revolvido e entrar na cadeia alimentar dos peixes, principal fonte de proteína da população ribeirinha.

O Ibama ainda cobrou mais: “Outra complementação necessária é relativa à agricultura de várzea. O Ibama quer do empreendedor programas ambientais melhor definidos que contemplem alternativas de sustentabilidade da população caso essa área agrícola venha a ser comprometida com o empreendimento na região. As áreas de lazer, formadas por cachoerias, praias e igarapés, também integram o rol de complementações solicitadas pelo Ibama à Furnas. É preciso que se defina bem o que irá acontecer com essas áreas, de vital importância social para a população local, e que seja apresentado programa específico com ações mitigadoras/compensatórias correspondentes ao impacto previsto”.

O QUE ESTÁ EM JOGO NO MADEIRA

Luis Fernando Novoa

Os grandes projetos de infra-estrutura têm o poder de consolidar determinadas trajetórias de desenvolvimento. Por isso, todos temos o direito de aprová-los, de condicioná- los ou de vetá-los. Complexos energéticos e viários servem para densificar ou para simplificar territórios.

Qual é a escolha, quem escolhe? Energia, água, transportes e telecomunicações para que, para quem e de que forma deveriam ser as questões balizadoras do planejamento da infra-estrutura no país? No entanto, os critérios determinantes têm sido taxas de retorno compensadoras e o uso competitivo dos equipamentos. O resultado: infra-estrutura como negócio em prol dos negócios, estruturando cadeias de comércio intrafirma no lugar de mercados internos.

Na ausência de políticas econômicas e setoriais ativas, tem prevalecido a lógica do leilão de oportunidades de negócio, da oferta de plataformas de produção de commodities com baixos custos operacionais, aos capitais monopolistas internacionais e nativos. Os grandes projetos têm servido para reestruturar o território em marcos privados e transnacionais, desfigurando meio ambiente, economias locais e saberes tradicionais. Não queremos uma democracia que se restrinja a executar medidas compensatórias e mitigadoras, depois de estabelecidas as decisões de mercado. Na construção de duas gigantescas hidrelétricas no Rio Madeira, uma meia Itaipu no maior afluente do Rio Amazonas, estão em jogo as linhas mestras que irão prevalecer no futuro do país e do continente.

Em primeiro lugar é a feição da Amazônia que está em jogo. Sem projeto nacional para impor contornos ao poder dos mercados, sem prioridades socioambientais e intergeracionais claramente identificadas, a região ingressará desguarnecida no novo estágio de internacionalização que se avizinha. A região vai servir de trampolim para um “salto elétrico”, ao dispor do setor privado, ainda que sob impulso da Eletrobrás. De fronteira agrícola a “fronteira elétrica”, a Amazônia vai retroalimentando sua destruição.

O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (2006-2015) já definiu que o caminho previsto para a expansão é o aproveitamento máximo do potencial hidrelétrico da Bacia Amazônica, a começar pelo Complexo do Madeira. A construção de Santo Antonio (3,15 mil MW) e Jirau (3,3 mil MW) consolidaria o perfil de um modelo voltado para a disponibilização de “excedentes” para atrair segmentos industriais eletro-intensivo, como os da cadeia do alumínio. Uma reedição da desastrosa política de incentivos para a ocupação da Amazônia, incentivos agora de ordem infra-estrutural com impactos muito menos reversíveis.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e parte considerável das elites nacionais compartilham a mesma visão acerca da Amazônia: um “obstáculo ao desenvolvimento”. O BID também se refere à região como um “celeiro de projetos de infra-estrutura paralisados”. Não casualmente, a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana(IIRSA), financiada majoritariamente pelo BID com participação do BNDES, dedica três de seus 10 “eixos de integração” ao objetivo de destravar os fluxos econômicos globais que querem atravessar a Amazônia. (Correio Braziliense, em 31/07/2006)

Luis Fernando Novoa, sociólogo, é Membro da Attac, do GT Integração da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e Rede Brasileira Para Integração dos Povos

A VERDADE SOBRE BELO MONTE

Lúcio Flávio Pinto, jornalista, em em 28/05/2002

Belém - Quando começou a ser construída, em 1975, a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, a segunda maior do país, abaixo apenas de Itaipu, deveria custar 2,1 bilhões de dólares. Ao ser inaugurada, em 1984, seu orçamento já havia alcançado US$ 5,4 bilhões. A Comissão Mundial de Barragens calcula que seu preço atualizado, até 2000, bateu em US$ 7,5 bilhões.

Considerando a linha de transmissão de energia associada à usina, o valor sobe para US$ 8,77 bilhões. Há quem estime esse custo em algo acima de US$ 10 bilhões. Para a Eletronorte, porém, o número oficial é de US$ 4,7 bilhões. Ou seja: menos do que o valor que já estava apropriado em 1984, incluindo juros durante a construção. Provavelmente essa conta de juros junto aos agentes financeiros europeus, transferida para a responsabilidade da Eletrobrás, ainda esteja em aberto. Quando apresentou, no ano passado, o projeto consolidado para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, que deverá deslocar Tucuruí do segundo lugar e se tornar, ao final, a quarta maior usina de energia de fonte hídrica do mundo, a Eletronorte disse que a obra sairia por US$ 6,5 bilhões. Seriam US$ 3,7 bilhões na hidrelétrica propriamente dita e US$ 2,8 bilhões na linha de transmissão, uma das maiores do mundo, com 3.300 quilômetros de extensão, até os grandes centros consumidores, no sul do país.

Na semana passada, o presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, anunciou um novo valor: agora Belo Monte está orçada em US$ 5,7 bilhões, 800 milhões de dólares a menos do que no ano passado, uma boa economia de 12%. Mas a conta pode se tornar um bilhão de dólares mais leve, prometeu Muniz Lopes, acenando com a redução do "linhão" para US$ 1,7 bilhão. Assim, em questão de meses o custo de Belo Monte baixou de US$ 6,5 bilhões para US$ 4,7 bilhões, dos quais US$ 3 bilhões na usina e US$ 1,7 bilhão na linha de transmissão. Corte de 30%. Impressionante. Como o Brasil precisa acrescentar 4 mil megawatts a cada ano à capacidade instalada de geração para atender ao crescimento do consumo nacional de energia, não haverá quem se negue a apoiar o empreendimento proposto pela Eletronorte. Desde, naturalmente, que a empresa apresente suas planilhas de cálculo e se submeta a uma auditagem das suas contas, que nem sempre podem ser devidamente apuradas, conferidas e aprovadas.

Precisará demonstrar que, não sendo sua conta apenas um efeito da variação do câmbio, a quanto monta cada um dos itens de redução - redução ainda mais notável porque obtida na fase de planejamento da obra - da UHE Belo Monte.

Mas não só em relação às contas específicas da usina. É necessário fazer uma checagem mais ampla do projeto. Quando exibiu ao público o orçamento inicial, de US$ 6,5 bilhões (que já seria um belo número, se essa pudesse ser mesmo uma conta de chegada e não apenas uma conta de partida da obra, com final imprevisível, como acabou sendo Tucuruí), a Eletronorte não previa um acréscimo, que agora é feito: a construção de uma usina térmica em Belém, a capital do Pará, o Estado no qual a usina será construída. Essa termelétrica irá gerar 1,5 mil MW (pouco menos de 15% da potência nominal da hidrelétrica), com investimento de US$ 750 milhões.

Se essa termelétrica é obra complementar da hidrelétrica, o orçamento geral deixa de ser de US$ 4,7 bilhões. Sobe para US$ 5,45 bilhões. Esse "detalhe", que representa um razoável encarecimento do projeto, não foi destacado. Mas outros "pormenores" também permanecem pendentes de esclarecimento. Por que instalar a usina térmica em Belém, que fica mais de 700 quilômetros a leste da futura barragem? Seria para abastecer os consumidores próximos, dos quais os principais seriam a população da capital paraense e a fábrica de alumínio da Albrás, a maior do continente? Ou seria para assegurar a energização da linha durante quase metade do ano, quando nenhum megawatt estará saindo de Belo Monte por falta de água suficiente no Xingu para permitir à usina produzir energia?

Além dessas dúvidas, há uma outra questão: quem construir Belo Monte terá que assumir a responsabilidade pela térmica de Belém? O financiamento para essa obra será negociado como um pacote fechado, nas mesmas condições? Será seguido o esquema previsto pela Eletronorte, de privatização da obra, mas com financiamento oficial e com participação da Eletrobrás em até um terço do capital da empresa particular que vencer a licitação, passando ao mercado essas ações quando chegar a fase operacional?

O perfil de Belo Monte só poderá ser traçado com nitidez após a elucidação desses pontos. Mas ainda há outros. A Eletronorte já admite que a potência firme da usina será inferior ao patamar internacional de viabilização da construção de hidrelétricas, que é de 50% da capacidade nominal de geração. A potência teórica de Belo Monte, com suas 20 máquinas, é de 11 mil MW, mas a energia firme será de apenas 4,7 mil MW, ou 40% do máximo que ela será capaz de gerar no pique de verão. Em quatro meses do "inverno" amazônico, o Xingu não terá água suficiente para movimentar as gigantescas engrenagens das turbinas, que precisam de 700 mil litros de água por segundo (a demanda das 20 máquinas é de 14 milhões de litros de água a cada segundo). Em outros dois meses a produção de energia será mínima. Essa depleção, portanto, afeta profundamente a média. Complexo hidrelétrico

Belo Monte é realmente viável sozinha ou necessita de outros barramentos a montante do Xingu? De início, para vencer traumas e resistências do passado, a Eletronorte declarou que Belo Monte seria a única hidrelétrica na região. Recentemente, rebatizou seu projeto para "complexo hidrelétrico". Mas sugeriu que a adoção desse coletivo se devia a uma modificação na engenharia do empreendimento: haverá motorização também no vertedouro, a barragem secundária a ser construída no início da curva fechada (ou Grande Volta) que o Xingu dá, a 50 quilômetros do local onde surgirá a barragem principal, assegurando dessa maneira o fluxo normal de águas enquanto se constrói, a seco, a casa de máquinas, rio abaixo. Por que motorizar essa barragem menor se ela vai acrescentar apenas 100 MW ao complexo (ou 1% de sua capacidade nominal)?

Não será esse um claro indicador de que Belo Monte seguirá o mesmo rumo de Tucuruí também neste aspecto? A Eletronorte está neste momento elevando a cota operacional da barragem do nível de 72 metros, que era o normal, para o nível (maximo maximorum) de 74 metros. Esse aumento de dois metros na área do lago (que já ocupa 2.875 km2) representará menos de 3% de adição à potência nominal da usina do Tocantins, ao custo de 30 milhões de reais só para o pagamento da indenização das benfeitorias dos lavradores que novamente precisarão ser remanejados da beira do lago.

O dado maior, porém, não é esse: é ver passar pelo vertedouro da barragem tanta água não turbinada no inverno (a vazão do rio podendo chegar até a 60 milhões de litros de água por segundo, enquanto as necessidades da usina - e assim mesmo apenas no momento em que estiver completamente duplicada, dentro de três anos - serão de pouco mais de 11 milhões de litros por segundo) e no verão a escassez de água deixar a maioria das máquinas paradas. Dos 8,4 mil MW máximos, Tucuruí ficará com 3,3 MW médios ao final da duplicação em curso.

Assim, outras barragens terão que ser construídas Xingu acima para elevar a potência firme de Belo Monte, como certamente acontecerá em relação a Tucuruí. No Tocantins, a barragem que já está engatilhada para cumprir essa função, de suplementar o reservatório de Tucuruí, impossibilitado definitivamente de crescer, será a de Marabá. No Xingu, será a barragem de Babaquara. A área de inundação sai do âmbito dos singelos 400 quilômetros quadrados de Belo Monte e vai para seis mil quilômetros quadrados de Babaquara, mais do dobro do lago de Tucuruí. E se na esteira de Babaquara vierem os outros aproveitamentos inventariados pela Eletronorte no Xingu, o número vai parar em 14 mil km2 (para uma expectativa de produção de energia de 16 mil MW, mais do que Itaipu). A questão ecológica e os impactos humanos dos represamentos deixam de ser questões acessórias para serem itens essenciais na agenda de discussões sobre o que pretende a Eletronorte fazer no Xingu. Nestes parâmetros, o debate sobre a expansão da frente energética na bacia amazônica está apenas começando. Se a Eletronorte pretende mesmo lançar a licitação de Belo Monte em agosto, como anunciou, pode estar lançando-a sobre terreno inconsolidado. Qualquer barragista sabe muito bem o que isso significa. Não poderá alegar desconhecimento no futuro. (O Estado de S.Paulo )