quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A ESTRATÉGIA DO "MAIS DO MESMO" NA ENERGIA

Carlos Tautz*

A Bolívia propõe cortar 1 milhão de m3 de gás natural, dos 30 milhões que vende diariamente ao Brasil, e redirecionar essa quantidade para a Argentina, que usa maciçamente o produto para aquecer residências no inverno. Mas, o Brasil se recusa em reduzir a importação do boliviano gás porque este atende prioritariamente ao setor industrial de São Paulo, vital para a dinâmica da economia brasileira. Além do mais, se abrisse mão dessa compra agora teria de utilizar mais água dos reservatórios de suas hidrelétricas, para manter o nível de armazenamento da água e do fornecimento de eletricidade em 2009 e nos anos seguintes.

Para atender a uma situação emergencial dos argentinos, que não têm mais de onde comprar energia no curto prazo, o Brasil lhes venderá mais hidroeletricidade, a partir das linhas de transmissão que saem do Rio Grande do Sul em direção ao país portenho.

Todas essas idéias para atender a uma situação emergencial foram debatidas em diois dias de reunião em Buenos Aires, na semana passada. A única proposta de longo prazo foi o compromisso de os três países construírem (em cinco ou seis anos) hidrelétricas capazes de gerar 10 mil MW, centrais nucleares e uma planta de regaseificação na capital argentina (provavelmente para aproveitar o gás natural venezuelano).

Evo Morales, Lula e Cristina Kírchner nada avançaram em uma pauta realmente importante: a reorientação do planejamento regional da oferta, da produção e de otimização radical dos sistemas energéticos das três nações.

Sequer aproveitaram o momento para iniciar negociações sobre políticas comuns para articular um novo tipo de produção (menos impactante) e economia de energia (agregadora de valor científico e tecnológico) com o enfrentamento das mudanças climáticas, um passo adiante que daria sentido superior aos até agora pouco produtivos debates sobre integração sul-americana. Venceu, mais uma vez, a política do cobertor curto e a estratégia do mais do mesmo.

Essa falta de perspectiva expressa uma incapacidade de os três governos definirem estratégias de desenvolvimento no longo curso. Também evidencia que o trio foi pego de surpresa pela explosão dos preços no mercado internacional das commodities agrícolas – a especialidade das três economias – pela crescente demanda chinesa, com o conseqüente aquecimento dos seus mercados internos - eles têm crescido em média nos últimos anos 8% (Argentina) e 4% (Bolívia e Brasil).

O que é ainda pior é que a opção pelas megausinas – custariam R$ 30 bilhões – aponta para a repetição de velhas concepções de desenvolvimento que se apóiam no ciclo da economia política com fins em si mesmos. Em geral, ela funciona mais ou menos assim, seja na América Latina. África ou Ásia.

Bancos (alguns ostentando o título de “desenvolvimento”) contratam estudos a consultores e sugerem os projetos daí resultantes a governos sem planos de desenvolvimento de longo prazo. Estes, aparentemente assustados com as permanentes “crises de oferta de energia”, empregam consultores (muitas vezes, os mesmos vinculados aos bancos) que sacam da gaveta pacotes tecnológicos e financeiros adaptáveis a qualquer situação.

O tamanho dos pacotes geralmente incorpora estimativas infladas de crescimento da demanda, mas isso não não é problema – nem para governos que vivem de reclamar da falta de recursos. Afinal, a construção das usinas é entregue a um reduzido número de empreiteiras que conseguem dos bancos generosas condições financeiras para a realização dos seus projetos.

Em troca, os bancos exigem dos governos “apenas” a assunção de garantias, que são transformadas em dívidas de longo prazo serem pagas (ou roladas) pelos governos seguintes. Tudo bem que as condições de pagamentos sejam draconianas. Afinal, a nossa permanente “crise de oferta” de energia está batendo à porta e exige soluções difíceis. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=91771&a=112 )

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sexta-feira, fevereiro 22, 2008

ALCA E IIRSA PARA EXPORTAR NATUREZA

Carlos Tautz

Essa passou despercebida pela imprensa pátria: “O dano ambiental causado pelos países mais ricos é maior do que toda a dívida de 1,8 trilhões de dólares do terceiro mundo”, estampou em 21 de janeiro o diário britânico The Guardian, sobre um estudo de cientistas da Universidade de Berkeley/Califórnia

"As nações ricas se desenvolveram às custas dos pobres e, como conseqüência, têm uma dívida com os pobres”, disse o professor Richard Norgaard, um economista ambiental que organizou o estudo.

Norgaard e sua equipe calcularam os custos de exploração de recursos naturais de países pobres, inclusive o Brasil, entre 1961 a 2000. Detiveram-se em seis áreas: emissões de gases-estufa, o esgotamento da camada de ozônio, agricultura, desflorestamento, sobrepesca e conversão de manguezais em fazendas produtoras de camarão.

A pesquisa chancela cientificamente um conceito – dívida ecológica – que há anos é defendido por organizações do sul. Sua grande novidade é comprovar com dados irrefutáveis que a brutal drenagem de recursos naturais da América Latina, Ásia e África configura um grande modelo econômico na divisão mundial do trabalho. Somos uma plataforma de intensas exportações de recursos naturais com baixíssimo valor agregado e inúmeros impactos sociais e ambientais.

Ao longo dos anos, esse papel histórico da região vem sendo intensificado e refinado. Governos e agentes políticos e econômicos privados planejam, financiam e operam grandes infra-estruturas de transporte, geração de energia etc para garantir esse contínuo fluxo de mercadorias agrícolas e minerais para o centro do sistema econômico mundial – América do Norte, Europa e os centros dinâmicos da Ásia (China e Japão).

É para continuar a alimentar essa divisão internacional do trabalho que surgem no fim do século passado, quase simultaneamente, duas megapropostas: a Alca – Área de Livre Comércio das Américas, proposta em 1994 pelo governo dos EUA; e a IIRSA - Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura da região Sul-Americana, elaborada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Foi reapresentada em Brasília, em 2000, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (que já a defendera sem sucesso um ano antes).

A rigor a Alca e a IIRSA se são duas faces do mesmo modelo exportador da natureza que sai de nossos territórios em direção ao centro do sistema, exatamente como apontado agora pela pesquisa da Universidade de Berkeley.

A Alca visava à criação um sistema legal internacional e internamente a cada país das Américas e do Caribe que não apenas possibilitasse o desenvolvimento deste modelo explorador, mas que o obrigasse a existir e o impedisse de ser suspenso. Era uma ampliação da Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e uma versão regional do Acordo Multilateral de Investimentos, o AMI, fracassado em 1997 e 98 na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.

Está suspensa devido a uma sucessão de obstáculos. Primeiro, houve um racha entre agentes econômicos brasileiros, o que alimentou uma histórica ambivalência da política externa nacional em temas desse tipo (ora opondo-se, ora omitindo-se). Por fim, a eleição, desde 1998, de governos sul-americanos com graus variados de independência em relação aos EUA e uma espécie de versão civil desta autonomia, representada pela ampla rejeição à Alca entre organizações populares latino-americanas.

A IIRSA, cujo mais caro projeto são as hidrelétricas do rio Madeira (RO), é a base física que possibilita esta sangria de bens naturais. Ela é a infra-estrutura de transporte (hidrovias, ferrovias e rodovias nacionais), de energia (hidrelétricas e gasodutos) e telecomunicações, além de marcos legais, que tornam possível as exportações da América do Sul em direção aos grandes mercados importadores – atendendo apenas na margem as necessidades dos mercados internos da região.

A mais recente versão brasileira da IIRSA é o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro de 2006 pelo presidente Lula. Ele ressuscita os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento e o Avança Brasil (de FHC) e o Plano Plurianual do primeiro governo Lula.

O objetivo que orienta todos esses megaprojetos é uma compreensão histórica do papel do Brasil, como de resto de toda a da América do Sul como região periférica no sistema mundo. Essa opinião é fortemente incentivada pelo Itamaraty e por capitais privados e estatais, principalmente do Brasil, que enxergam nela uma possibilidade de aprofundarem o modelo no Brasil e ganharem escala internacional, exportando-o, com financiamento público, aos países vizinhos. (Também publicado no jornal Brasil de Fato, edição de 14 a 20 de fevereiro de 2008).

QUEM MANTÉM STEPHANES?

Carlos Tautz*

Se no Brasil valessem os princípios republicanos e não as conveniências políticas, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, estaria procurando emprego novo há muito tempo. Ele tem sido pródigo em omitir-se nas suas atribuições legais e chegou até a causar constrangimento internacional a Lula, quando defendeu a plantação de cana na Amazônia.

Tantas foram as lambanças de Stephanes na Agricultura, que é o caso de perguntar: o que ele ainda continua fazendo lá? Quais forças políticas o mantêm em um dos Ministérios que mais geram caixa para o governo federal, tomando decisões que influenciarão a agricultura brasileira por décadas?

A mais recente trapalhada veio à tona na semana passada, em audiência que a Comissão de Agricultura do Senado convocou para o Ministro explicar as razões do boicote da União Européia (UE) à carne brasileira.

Ele admitiu que “o Brasil chegou a exportar carne bovina não-rastreada para a Europa, em decorrência das falhas no processo de acompanhamento de bovinos e na certificação de produtos exportados para o bloco” (O Globo, 14/02). Resultado: a UE suspendeu as importações de carne bovina brasileira causando, segundo o próprio Stephanes, prejuízo diário de 5 milhões de dólares ao País.

Na segunda (18), o Valor Econômico publicou denúncia da ong Contas Abertas mostrando que o sistema de rastreamento do gado bovino (Sisbov) do Ministério da Agricultura “gastou só 27,6% dos R$ 1,95 milhão disponíveis para os cinco principais programas de certificação da origem e movimentação de insumos e produtos agropecuários”

À noite, a Globonews mostrou que há quase um ano a representação diplomática do Brasil em Genebra já havia alertado a Agricultura sobre as cobranças da UE e as ameaças de suspender a compra de carne brasileira.

As trapalhadas de Stephanes começaram em setembro passado, quando o Ministro estimulou a plantação de cana na Amazônia para produção de álcool – algo prontamente negado pelo próprio presidente da República, que se esforça para vender mundialmente o álcool brasileiro como o combustível verde que substituiria o petróleo. O mais grave, entretanto, ainda estava por vir.

Stephanes e seu colega da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, admitiram (FSP, 29/01) que, sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas.

"Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste, já existem plantações com sementes contrabandeadas", disse Rezende. “Principal aliado de Rezende no debate dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, confirma que o milho vai pelo mesmo caminho das duas únicas variedades de soja e algodão geneticamente modificadas, cuja comercialização é autorizada do país: elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal. "Não obstante toda a fiscalização, acontece o contrabando", confessou Stephanes.

Nesse caso, houve clara intenção de vincular uma situação de fato – a contaminação da safra brasileira pela inação do Ministério - com uma medida legal, que seria tomada mais tarde: a legalização do milho geneticamente modificado das empresas Bayer e Monsanto.

Na terça (12/02), ele – em conjunto com Rezende e outros cinco ministros-, votou no Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11 membros, pela aprovação do milho geneticamente modificado das duas empresas no Brasil. O voto de Stephanes, que relatou o processo, desconheceu a análise técnica do Ibama e da Anvisa. As agências argumentam que não existem estudos que atestem a inocuidade de commodities agrícolas transgênicas tanto para o meio ambiente quanto para o consumo humano.

Isso é particularmente grave para um país “megadiverso”, como o Brasil, que possui 12% da diversidade biológica conhecida no planeta, e que exatamente por isso carece de precaução para evitar contaminações em grande escala (como já aconteceu no México). Ambientalistas também chamam a atenção para outro dado.

“O Brasil é centro de diversidade genética do milho. Apenas no Centro-Sul do Paraná já foram identificadas 145 variedades de milho. Essa diversidade é incompatível com o monopólio dos transgênicos e desempenha papel fundamental na segurança alimentar, geração de renda e autonomia tecnológica de milhares de famílias”, chama a atenção a Assessoria a Projetos em Agricultura Alternativa (As-PTA).

Stephanes tem enorme capacidade de errar, sem receber qualquer sanção mais séria. De fato, sua permanência no cargo está envolta em mistério. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=90848&a=112)

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

AS TROPAS DO PAC

Carlos Tautz*


Se o governo federal quiser que as obras do PAC em favelas do Rio de Janeiro não fiquem marcadas por violência e mortes, é melhor rever a forma de utilizar a Força Nacional de Segurança (FNS) e ajudar o aliado governador Sérgio Cabral a retomar o controle sobre a sua Polícia Militar.

Ou isso é feito agora, antes de a polícia começar a enfrentar os traficantes para permitir a realização das obras do PAC, ou as favelas voltarão a ser palco de conflitos armados (como em 2007) e as “perdas colaterais” - ou seja, morte de inocentes - mancharão de sangue eventuais boas intenções do governo central.

O número de soldados da FNS no Rio vai aumentar de 600 para mil soldados, podendo ir além disso, adianta o comandante da Força, coronel Luiz Antônio Ferreira, para garantir a realização das obras do PAC em territórios controlados com mão de ferro pelo tráfico de drogas.

Em vista da escala desse contingente, é de preocupar as declarações dos comandantes das tropas. Olhem só, por exemplo, esta pérola típica de governantes de coturno.

“Baile funk em favela é reunião de vagabundos”, disparou a esmo o coronel PM Marcus Jardim (O Globo, 08/02), que assume o 1o Comando da Área da Capital nesta segunda-feira (11).

A frase revela preconceitos de quem enxerga a tropa não como instrumento de segurança da sociedade, mas como guarda pretoriana do Estado e de quem se refugia nas regiões do Rio onde o Índice de Desenvolvimento Humano é equivalente aos melhores bairros de Londres e de Paris.

Explique-me, coronel Jardim, o senhor quis dizer que apenas a favela reune vagabundos? Se foi isso, é melhor o senhor assistir “Meu nome não é Johnny”.

Devo compreender que o funk fora da favela está permitido? No Palácio Laranjeiras ou no Alto Leblon seria permitido? Por que um gênero musical em si deve ser associado à bandidagem? (E olhe que quem escreve esse texto acha funk uma expressão sem qualquer qualidade.) Coronel, o senhor já reparou que os Cacciolas da vida geralmente adoram música clássica?

Nenhum coronel ousa falar sobre uma política de segurança permanente, que garanta a tranqüilidade dos favelados – tão cidadãos quanto quanlquer coronel – além de PACs e que tais, quando o Estado se omite em comunidades pobres.

Vejam se entendi, coronéis. Para vocês: 1. segurança pública, para favelados, significa apenas “incursões” esporádicas, confronto com traficantes e “efeitos colaterais”? ; 2. o objetivo são os resultados espetaculares, do tipo imagens de soldados armados de fuzis e caveirões, “subindo o morro”? Quanto maior emprego de militares entre a população civil, melhor?; e 3. Será que a polícia não consegue separar o joio do trigo e identificar aqueles bailes funk que realmente atraem bandidos e, assim, proteger a população honesta das favelas?

Na zona sul carioca, onde está concentrada a polícia e o PIB do Rio, a situação é diferente. Aliás, eu sugiro aos coronéis um exercício que prova o tratamento privilegiado aos bairros ricos da cidade.

Partam da praia do Leblon e contornem a lagoa Rodrigo de Freitas em direção ao túnel Rebouças. Vocês passarão por uns 10 cruzamentos de trânsito. Em pelo menos cinco deles, encontrarão viaturas da PM em ótimo estado de conservação, em policiamento extensivo, garantindo o sentimento de tranqüilidade à população.

Quando chegarem até o outro lado do túnel, desembocarão no Rio Comprido, bairro de classe média baixa. Por ali, nas ruas embaixo do viaduto Paulo de Frontin, viaturas da PM são vistas somente em dias posteriores a algum caso de violência com grande repercussão na imprensa (e mesmo assim, nunca de madrugada).

No restante da vida, nos bairros de classe média baixa e as áreas pobres da cidade, camburões quase sempre em péssimo estado de conservação muitas vezes só dão o ar da graça em dias e horários marcados, geralmente em locais de comércio vicejante (exatamente como em “Tropa de elite”).

É essa a polícia que promete empregar até três mil soldados, com auxílio da FNS, para garantir o PAC das favelas. Ela se autorregula independentemente do titular das Laranjeiras. O atual, Sérgio Cabral, é ignorado pela tropa, a quem prometeu, e não forneceu, merecido aumento de salário e de condições de trabalho.

Aqui, valem duas observações:

1. Nada contra a a alocação de policiais na zona sul, que por sinal paga ao Município IPTU extorsivo. O exemplo do circuito da segurança Leblon-Lagoa apenas mostra a diferença no tratamento de áreas da cidade em função da renda per capita.

2. Que as áreas pobres do Rio carecem de todo tipo de investimento social não há dúvida. Porém, apenas obras e ações bélicas, muitas vezes necessárias para enfrentar bandidos armados mas descoladas da presença estatal em saúde e educação, não garantem cidadania e democracia.

Ou seja, mesmo quando o governo resolve saldar uma antiga dívida social com o Rio, ainda repete vícios tradicionais. A aí, sobra para o lombo dos pobres apenas a mão forte do Estado, como aconteceu com escravos e indígenas. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=89592)

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

FECHEM O MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Carlos Tautz

Depois de outra retomada do desmatamento em larga escala na Amazônia, e de mais uma briga da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva contra as demais áreas do governo federal, é o caso de perguntar: de que adianta um Ministério do Meio Ambiente (MMA)? Não seria melhor entregar logo a condução da política ambiental a madeireiros, plantadores de soja (transgênica) e criadores de gado?!

Afinal, o MMA foi fragorosamente derrotado em todas as questões de fundo que defendeu internamente ao governo, mostrando que não é possível nessa conjuntura conciliar equilíbrio ambiental e crescimento econômico.

Ainda por cima, a trajetória pessoal de Marina inibe críticas de ambientalistas que acreditam que a situação seria ainda pior sem ela e, assim, poupam-na, o que termina por favorecer a enorme banda da Esplanada para quem a única coisa que importa é o crescimento frio do PIB, apesar das florestas.

Mesmo antes da publicação dos números do desmatamento da Amazônia em 2007 – o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirma que 3235 km2 foram derrubados entre agosto e dezembro, período em que geralmente o desmate cai –, o MMA já apresentava um currículo de derrotas sérias em questões centrais.

É até fácil lembrar a seqüência de derrotas do MMA em disputas com a Casa Civil e com os Ministérios da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Defesa e Minas e Energia.

Desde o primeiro mandato, o MMA coleciona derrotas sérias. A começar pela Casa Civil nos casos da liberação da soja transgênica e na importação de pneus usados (na gestão José Dirceu), e do licenciamento ambiental das usinas no rio Madeira (com Dilma Roussef); contra a Defesa, na decisão de construir a usina atômica Angra 3; na Agricultura - na gestão Roberto Rodrigues -, quando o contrabando de soja geneticamente modificada se espalhou pelo país e agora, com Reinhold Stephanes, na ampliação da fronteira agrícola para plantio na Amazônia de cana e soja e produção de carne bovina para exportação.

O atual Ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, chega ao cúmulo de admitir a ilegalidade ampla, geral e irrestrita: “Sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas” (...). "Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste”, disse à Folha de São Paulo em 29 de janeiro.

Para piorar, em todas as vezes que foi chamado a arbitrar divergências entre o MMA e seus pares, Lula reconhecia a capacidade e o compromisso da Ministra, mas ordenava que ela não interferisse nas posições centrais do governo. Foi assim, mais uma vez, que aconteceu após a péssima repercussão dos números mais recentes do desmatamento (FSP, 30/01).

Mesmo Bazileu Margarido, o presidente do Ibama, que responde ao MMA, reconhece que o obras de infra-estrutura ajudam a colocar floresta abaixo. Ele recordou que o simples anúncio em 2002 do licenciamento ambiental para asfaltamento da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), produziu “um aumento de 500% do desmatamento da região” .

Margarido também admite que “em algumas áreas da Amazônia a expansão da agropecuária está diretamente ligada ao avanço do desmatamento. “Em São Félix do Xingu [PA], por exemplo, é possível afirmar que a atividade pecuária cresceu bastante e foi um fator de pressão” (Agência Brasil, 25/01).

Claro que o MMA sozinho não pode ser responsabilizado por todos os males provocados pela forma como o Brasil resolveu produzir seus superávits primários radicais. Em verdade, a redução drástica do desmatamento exige uma reorientação na peça central do modelo de produção no Brasil: o Estado.

É ele quem, ao longo da nossa história, elabora ideologicamente um sistema de concentração de rendas, planeja a alocação de vastos recursos em setores de ponta (privilegiando poucos e grandes agentes), concede serviços públicos, regulamenta e fiscaliza a atuação desses agentes que operam, nesse caso, a devastação da maior floresta tropical contínua do planeta

Enquanto essa tarefa de envergadura histórica não for realizada, não há MMA que dê jeito. (Também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=88843&a=112)