'NOVA" POLÍTICA INDUSTRIAL PARA UM MODELO ECONÔMICO VELHO
Carlos Tautz*
Carregando o adjetivo “nova” em seu nome, a política industrial que o governo vai lançar nos próximos dias faz uma aposta velha. Quer elevar à liderança mundial empresas brasileiras dos setores de papel e celulose, mineração, petroquímica, siderurgia e carne, desconsiderando que essa opção estratégica aprofunda um modelo econômico baseado na exportação em alta escala de recursos naturais. A exceção seria o apoio ao setor aeronáutico, que agrega um pouco mais de valores econômico e tecnológico à produção brasileira.
Nas últimas duas décadas, países que fizeram opção semelhante a essa, expressa na “nova” política, cresceram menos, em comparação com as nações que se especializaram em setores intensivos em tecnologia.
Nada ousada, a política privilegia setores que aprofundam ainda mais a extrema concentração de renda verificada no País. Eles demandam empregos menos qualificados e de menor remuneração e exigem menos desenvolvimento tecnológico. Em 2005, esses setores representaram 48% das exportações brasileiras – enquanto sua participação na média mundial das exportações ficou em 26%.
É claro que só poderemos confirmar se essa “nova” política industrial contemplará alguma inovação – tecnológica ou econômica – quando ela for tornada pública. Mas, de antemão, de acordo com as notícias vazadas pela imprensa, já salta aos olhos o conservadorismo quanto à escolha dos setores econômicos nos quais apostará as suas fichas.
Ainda que seja positiva a escolha do setor aeronáutico (que no entanto deve perder a oportunidade de fazer uma conexão direta com setor astronáutico – esse sim, de enormes valores agregados), a ratificação da exploração de setores primários mostra que o governo optou por mais do mesmo e não avançou um milímetro sequer diante do que já havia sendo realizado.
Ou seja, uma aposta numa espécie de modernização da concepção conservadora do desenvolvimento, sem propor qualquer mudança estrutural na capacidade produtiva brasileira. Do ponto de vista estratégico, ainda faz uma jogada de altíssimo risco, ao priorizar aqueles setores que estão em alta devido à demanda conjuntural do mercado por commodities agrícolas. Na prática, vamos retirando os EUA e colocando a China no papel de grande comprador de nossas exportações.
A política industrial será financiada pelo Estado brasileiro, diminuindo muito o risco que os agentes teriam, se tivessem de procurar crédito no mercado. E, como tem sido nos últimos 56 anos, mais uma vez o BNDES, a maior fonte de recursos de longo prazo no Brasil, com orçamento superior até ao do Banco Mundial, apostará o grosso de suas fichas na viabilização da “nova” política que reinventa o velho modelo.
Além de de fornecer quase 90% (cerca de R$ 210,4 bilhões até 2010, ano eleitoral) dos recursos para a consolidação internacional dos setores escolhidos, o Banco ainda vai liderar a formação de fundos de investimento, juntamente com os fundos de pensão de estatais, que são controlados pelo governo.
Em verdade, a “nova” política já vem sendo sendo colocada em prática. É o caso do recente fornecimento de crédito pelo BNDES em conjunto com a Petros (fundo de funcionários da Petrobras) e o Funcef (dos funcionários da Caixa Econômica Federal) das aquisições (no total de US$ 1,7 bilhões) realizadas nos EUA pelo frigorífico JBS-Friboi.
Tal operação, entre várias outras, contraria inclusive o que tem dito o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Vamos exportar manufaturas, não só grãos e minérios” (Carta Capital, 19/03), disse Mantega, um cavaleiro solitário do crescimentismo econômico que não conta com o apoio decisivo de Lula. Seu oponente, o contracionista Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, é de fato quem dá as cartas no governo e faz a cabeça do Presidente da República, em matéria econômica.
Meirelles opera um BC desconectado da economia real, que só faz garantir a saúde da moeda e dos títulos públicos, e sequer avalia uma possibilidade de se compromissar com outros elementos do desenvolvimento nacional.
Aliás, talvez esteja aí, no debate sobre o BC, a explicação de fundo para o fenômeno do envelhecimento precoce de qualquer política pública no Brasil.
*Jornalista e pesquisador do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. (Artigo também publicado em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=95862&a=112)